Um dos pilotos mais promissores de todos os tempos, Randy Mamola nunca conseguiu transformar seu talento em títulos mundiais. E nem precisou, pois ele deu um jeito de entrar para a história a sua maneira, como você confere aqui.
Nascido em San Jose, Estados Unidos em 10 de novembro de 1959, Randy Mamola é californiano como Kenny Roberts e deu sequência a célebre geração de pilotos norte-americanos que desembarcou na Europa para disputar as 500cc. Entretanto, antes de se debandar definitivamente para o motociclismo, Mamola chegou a cogitar uma carreira de… músico!
Assim como Roberts, Mamola também teve a carreira formada nas corridas de Dirty Track, muito populares no norte da Califórnia, tanto que chegou a ser apelidado de “Baby Kenny”. Nesses ovais de terra batida, as motos não possuem freio dianteiro e o controle fica literalmente nos braços do piloto. Seu talento era tão grande, que a Yamaha ofereceu-lhe apoio oficial quando tinha apenas 14 anos.
A carreira ganhou contornos mais sérios quando finalmente se formou no colegial em 1977. Daí em diante, Mamola migrou para as corridas de asfalto, correndo no AMA 250 (onde ganhou o titulo de 1978) e até realizando até algumas provas no exterior. Mas o ponto de virada aconteceu mesmo quando integrou a equipe norte-americana das Transatlantic Racing em 1979.
As chamadas “Corridas Transatlânticas” eram uma série de seis provas na Inglaterra, nas quais os melhores pilotos britânicos eram confrontados pelos melhores norte-americanos em motos de 750cc. Com apenas 19 anos de idade, Mamola roubou a cena, sendo o segundo melhor pontuador, atrás apenas do campeão Mike Baldwin e à frente da estrela, Barry Sheene.
Paralelamente, Mamola fazia a sua temporada de estreia no Campeonato Mundial com uma Yamaha TZ 250 patrocinada por Serge Zago. Quando Baldwin, que era o piloto principal da equipe de Zago nas 500cc se lesionou, o norte-americano foi chamado para substituí-lo em sua Suzuki RG500 pelo restante da temporada.
Apesar da pouca experiência, Mamola fez bonito, conquistando um belíssimo segundo lugar no Grande Prêmio da Finlândia e liderado cinco voltas na França, antes de ser ultrapassado por Barry Sheene. Nessa ocasião também ficou em segundo, a frente de Kenny Roberts.
Foi que bastou para que a Suzuki o contratasse para 1980 com apoio oficial. O norte-americano herdou a posição de Sheene que, insatisfeito com a Suzuki, deixou a equipe oficial para correr com uma Yamaha particular. Nas mãos certas, no entanto, o modelo RG500 ainda tinha muito a oferecer.
Com duas vitórias, a primeira na Bélgica e outra na Inglaterra, Mamola encerrou o seu primeiro ano completo nas 500cc com um impressionante vice-campeonato, atrás apenas de Roberts. O piloto também rapidamente se tornou um ídolo graças à sua personalidade relaxada e divertida, sendo uma antítese completa ao sério Roberts.
O alto astral se manteve em 1981, quando começou o ano com duas vitórias e dois segundos lugares, liderando a primeira metade do campeonato. Entretanto, o mais experiente Marco Lucchinelli emendou uma sequência de quatro vitórias nas cinco etapas seguintes garantindo o seu único título mundial. Enquanto isso, a Yamaha estava dividida entre Roberts e Sheene.
À medida que a Suzuki dava sinais de defasagem, os memoráveis acidentes de Mamola começaram a aparecer em maior número. O ano de 1982 contabilizou muitas quedas e apenas uma vitória, na parte final do campeonato onde ficou em sexto. Em 1983, apesar do terceiro lugar na pontuação, nenhuma vitória foi conquistada. Já era hora de mudar de equipe.
Em 1984, Mamola ingressou na Honda, que voltava a disputar seriamente o campeonato depois de muitos anos de ausência, com a completamente nova NSR 500, de dois tempos. O norte-americano formava dupla com o conterrâneo Freddie Spencer, campeão de 1983. Que dupla, hein?
Mamola ainda deu a sorte de começar a temporada como o principal piloto da equipe, depois que Spencer se lesionou nas Transatlantic Racing. Sua estreia pela Honda foi comemorada com um segundo lugar no Grande Prêmio da Espanha.
Mas apesar de ter vencido três das últimas cinco corridas daquele ano e ficado mais uma vez com o vice-campeonato atrás de outro norte-americano, Eddie Lawson, o estilo de pilotagem agressivo de Mamola não casava com a motocicleta reconhecidamente rápida, mas arisca e nervosa.
Isso ficou evidente em 1985, quando Mamola venceu apenas uma corrida, o GP da Holanda, enquanto Spencer ficou com o título nas 500cc e nas 250cc no mesmo ano! Mas era Mamola quem sempre dava show, como foi registrado no GP de San Marino em Misano.
Mamola vinha se debatendo com um amortecedor traseiro defeituoso e, ao contornar uma curva, sua Honda chicoteou feito cavalo em rodeio, jogando o piloto para cima. Mas ele conseguiu se safar do que seria uma queda feia e a cena é hoje uma das imagens mais célebres do motociclismo.
Vendo que não ia dar certo na Honda, Mamola mudou novamente de equipe em 1986, dessa vez para uma organização chefiada por seu mentor Kenny Roberts, agora aposentado das pistas, com apoio oficial da Yamaha e patrocínio dos cigarros Lucky Strike.
Mamola andou sempre entre os primeiros, mas venceu apenas uma etapa, na Bélgica. O título ficou mais uma vez com Eddie Lawson, que tinha uma pilotagem menos exuberante, porém apresentava uma maior regularidade, tanto que ganhou o apelido de ‘Steady Eddie’, ou seja, aquele que é estável, nunca cai.
Em 1987, Mamola foi bem mais forte e quase chegou lá. Foram três vitórias e nove pódios, seu desempenho mais sólido até então. Mas tanto Mamola quanto Lawson (que corria com uma Yamaha do time de Giacomo Agostini) foram derrotados por Wayne Gardner e sua Honda NSR 500.
Mamola gostava de entreter o público nas corridas em que não tinha chance de vencer, realizando derrapadas, empinadas e acenos, malabarismos que se tornariam históricos. No GP da França de 1987, por exemplo, ele vinha em segundo lugar, longe de Lawson e, momentos antes de cruzar a linha de chegada, fez um stoppie para delírio da torcida.
Kenny Roberts, ficou pistola e demitiu Mamola na hora, acusando-o de irresponsabilidade. Depois acabaria voltando atrás, como em muitas ocasiões. Os dois pilotos, embora semelhantes em talento, eram completamente opostos em personalidade e teriam, ao logo de toda sua convivência, uma relação de amor e ódio.
Fora da pista, Mamola era a alma da festa, como em uma ocasião em que entrou na passarela atrás das modelos apenas de cueca. Uma vez chegou a parar a moto para urinar nos favos de feno, bem em frente às arquibancadas, uma cena que ainda estou procurando na internet. Era um comportamento irreverente demais para o sisudo Roberts, que o trocou por Wayne Rainey no ano seguinte.
Mesmo depois de ter realizado a sua melhor temporada, Mamola se viu subitamente sem equipe para 1988. Felizmente, o que não faltava eram ofertas. Assim, aos 29 anos, recebeu um telefonema de Claudio Castiglioni para ser o primeiro piloto da Cagiva, fabricante italiana então de posse da Ducati que estava ingressando no Campeonato Mundial.
Embora fosse uma moto relativamente boa, a Cagiva GP500 nem de perto tinha a mesma potência de Honda, Suzuki e Yamaha. Dessa forma, Mamola teve de se contentar com posições intermediárias ao longo dos anos seguintes. Ainda assim, conquistou um comemorado pódio, com a terceira posição no chuvoso Grande Prêmio da Bélgica de 1988, em Spa-Francorchamps.
E as loucuras continuavam. No GP do Brasil, Mamola corria em quinto lugar e, para espantar o tédio, dava derrapadas controladas aos espectadores brasileiros. Em um momento de pouca atenção enquanto olhava para trás, o norte-americano acabou perdendo o controle da moto em uma violenta queda, que seria muito reproduzida mundo a fora.
Mamola ficou na Cagiva por três temporadas, até o fim de 1990. O piloto, então resolveu tirar um ano de folga antes de retornar em 1992 com uma Yamaha particular. Os tempos, no entanto, já eram outros. Não sendo páreo para Wayne Rainey, Kevin Schwantz e Mike Doohan, decidiu pendurar de vez o capacete no final do ano. O último pódio veio no Grande Prêmio da Hungria.
Com uma personalidade sociável e reputação inabalada, Mamola não ficou aposentado por muito tempo, logo sendo chamado pela Yamaha para atuar como piloto de testes, escrever colunas para diversos veículos de comunicação, além de ser comentarista de TV, funções que exerce até os dias de hoje.
Mas o que realmente torna Mamola especial é o seu gosto por filantropia e caridade. Em 1986, o piloto se envolveu com o programa de caridade global “Save the Children”. A pós deixar as pistas, se tornou o co-fundador da “Riders for Health”, uma organização que fornece motocicletas, ambulâncias e outros veículos para prestar assistência médica e cuidados de saúde à locais remotos na África.
Mamola até hoje é uma figura muito presente e requisitada. Além de quase sempre liderar eventos de caridade, o norte-americano ainda dá suas voltinhas quando pode, às vezes levando consigo um convidado, com direito a wheelies, stoppies. Um deles foi Michael Schumacher, que quis virar piloto de moto por algum tempo. Quem disse que um astro precisa ser campeão mundial?