Motos com estilo retrô e toque esportivo se tornaram um grande mercado e hoje em dia várias montadoras tem a sua. Mas você sabe como se originou o termo “Café Racer”? No começo as coisas não eram bem assim.
Para contar a história das Café Racer, é preciso voltar no tempo, até os loucos anos 1950. A Segunda Grande Guerra tinha terminado há pouco tempo e os soldados, além de voltarem com diversos traumas, também ficaram com um incessante desejo por adrenalina.
Muitos adotaram a motocicleta como principal meio de transporte. Além de prático e barato, os veículos de duas rodas sempre tiveram um quê de rebeldia. Os adolescentes, que iniciavam nos primeiros empregos, normalmente gastavam tudo em carros e motos, verdadeiros passaportes para a diversão.
Henry Ford já dizia que as corridas surgiram no instante seguinte em que o segundo automóvel foi fabricado. Logo, um dos passatempos era medir forças no semáforo mais próximo e parar em uma cafeteria para escutar Rock ‘n’ Roll em jukeboxes.
A lenda conta que o piloto em questão deveria colocar uma moeda na jukebox e partir para uma corrida contra o tempo pela estradas locais, em uma percurso pré estabelecido. O desafiado precisava voltar antes que a música acabasse, o que era difícil já que aquelas canções tinham menos de três minutos! Não demorou a eles passarem as madrugadas debruçados nessas motos tentando deixá-las mais rápidas.
A época exata da criação do termo Café Racer ainda não foi totalmente averiguada. Wallace Wyss, mais popularmente conhecido na comunidade automotiva por suas obras históricas sobre o Mustang Shelby, escreveu um artigo na revista Popular Mechanics, em 1973, sobre como instalar uma carenagem de corrida em motos de rua.
No parágrafo de abertura, ele explicou que a expressão “Café Racer” se originou como um termo depreciativo no motociclismo dos anos 1950. Segundo Wyss, o termo “referia-se ao motociclista que brincava de ser uma piloto do TT na Ilha de Man, alguém que possuía uma máquina de corridas, mas apenas gostava de exibi-la, estacionando na cafeteria local“.
Uma dessas cafeterias era o Ace Cafe, em Stonebridge, noroeste de Londres, Inglaterra. Tendo operado originalmente entre 1938 e 1969, o lugar era o principal ponto de encontro de diversos pilotos, tornando-se um difusor mundial dessa cultura. Foi reinaugurado em 1997 e está aberto até hoje.
Foi também no Ace Café que o padre Bill Shergold convidava pessoas a integrarem o agora famoso “59 Club”, um dos primeiros moto clubes a abraçar os Café Racers. Fundado em 1959 como um grupo de jovens em uma igreja local, logo ganhou inúmeros adeptos, hoje até internacionais.
Apesar de Wallace Wyss dar a entender que um Café Racer nada mais era do que um exibicionista de butique, houveram sim entusiastas verdadeiros. Como a onda surgiu na Inglaterra, as primeiras motos eram de origem britânica. Entretanto, esses modelos eram transformados em foguetinhos durante a noite.
A construção de uma Café Racer típica segue a receita básica de rebaixar a mesa, alongar o tanque, recuar as pedaleiras e retirar todo o peso desnecessário, incluindo o assento para o passageiro. É claro que uma envenenada no motor era necessária. Às vezes, uma carenagem podia ser adicionada, mas isso não é via de regra.
Os mais talentosos mecanicamente partiam para um desmanche completo, combinando peças de outras motos, criando um verdadeiro Frankenstein. Enquanto os motores eram mais variados, o chassi mais utilizado era o “Featherbed”, construído pela Norton para ser utilizado na Ilha de Man e que foi considerado o melhor quadro de corrida da época.
Uma das combinações mais utilizadas era a “Triton”, que unia o chassi Featherbed da Norton ao confiável e robusto motor bicilíndrico paralelo de 650 cm³ da Triumph. O nome era a combinação desses dois dois fabricantes ingleses, assim como “Tribsa”, que juntava esse propulsor à um chassi da BSA.
Uma opção mais forte era utilizar o Featherbed com o motor de dois cilindros de 998cc da Vincent Black Shadow. Essa combinação era chamada de “Norvin” e apesar do propulsor ser consideravelmente mais temperamental que o Trumph, deixava a motocicleta extremamente nervosa e esteticamente muito agradável.
Nos anos 1970, a festa continuou, agora com a participação das motos japonesas. A Honda CB750F foi extensamente utilizada pelos Café Racers, principalmente por Colin Seeley, um famoso piloto que passou a construir seu próprio quadro, em torno do quatro cilindros dessa motocicleta e outras marcas. Os chassis Seeley marcaram época, tanto que até Barry Sheene chegou a utilizá-los.
Motores de dois tempos também foram largamente utilizados. Essa tecnologia foi “contrabandeada” para fora da cortina de ferro e utilizada principalmente por Yamaha, Suzuki e Kawasaki. Mat Oxley conta toda essa história no livro “Steeling Speed”, desde a criação feita pelo engenheiro alemão Walter Kaaden, utilizando como base os foguetes voadores V1, de Adolf Hitler.
Entre os modelos de dois tempos, os mais comumente transformados em Café Racer foram a Suzuki T500 Cobra e a Kawasaki H2. Por volta de 1977, as montadoras observavam de perto o que vinha sendo feito com suas motos. Começava, então, a era das “Café Racer de fábrica”. As primeiras tentativas foram a Moto Guzzi Le Mans em 1978 e a impopular Harley-Davidson XLCR.
Não demorou para que Benelli, BMW, Bultaco e Derbi também entrassem nesse novo mercado, fazendo apenas versões esteticamente diferentes de modelos já existentes, com poucas melhorias mecânicas. No final dos anos 1980, a Honda introduziu a Honda GB500 Tourist Trophy, que emulava o espírito dos pioneiros nos anos 1960. Entretanto, as vendas foram decepcionantes.
O assunto parecia esquecido desde os anos 1990, quando novos estilos dominaram a sociedade. Contudo, com a popularização dos movimentos nostálgicos, as Café Racer lentamente voltaram a reaparecer no século 21, especialmente a partir de 2010, onde as buscas pelo termo na internet subiram consideravelmente.
Hoje, porém, tudo não passa de um estilo retrô. Entretanto, nossa época viu o surgimento de modelos muito interessantes como a Triumph Thruxton 1200, uma legítima Café Racer dos anos 1960, mas com todos os componentes de uma motocicleta de competição moderna. Ainda temos a BMW RnineT, Ducati Scrambler, Kawasaki Z900RS Café e outras.
A boa notícia é que o espírito “faça você mesmo” dos primeiros tempos está bem difundido. A quantidade de criações independentes é animadora. No Brasil, o ex-piloto de Fórmula 1 Tarso Marques abriu uma empresa de customização em que transforma sua CG160 em uma Café Racer por um preço razoável. Vamos encontrar os amigos no Café mais próximo?