O Mundial de Motociclismo teve muitos momentos sombrios, mas o que aconteceu na corrida das 250cc em Monza 1973 talvez seja o maior: um engavetamento múltiplo que feriu dezenas e matou dois pilotos, o conhecido Renzo Pasolini e o promissor Jarno Saarinen.
Era 20 de maio de 1973 e o Campeonato Mundial disputava a sua quarta etapa, o “Nations Grand Prix” no velocíssimo circuito de Monza, na Itália. Naquele tempo, a pista era ainda mais veloz do que hoje, pois não havia nenhuma chicane para conter a velocidade. Só retas imensas e curvas de raio longo.
Cinco categorias disputavam o Mundial: 50cc, 125cc, 250cc, 350cc e 500cc, mas as corridas não aconteciam por ordem de deslocamento. As 350cc, por exemplo, vieram antes das 250cc, e tiveram vitória do lendário Giacomo Agostini.
Quando as 250cc deram a largada, Dieter Braun liderou o caminho em sua Yamaha TZ250, perseguido por Renzo Pasolini (Harley-Davidson) e Jarno Saarinen (Yamaha). Naquele momento, Saarinen era o maior piloto do mundo e o franco favorito para o título das 500cc de 1973.
Saarinen havia batido Pasolini por pouco nas 250cc de 1972 e havia dominado as duas primeiras etapas do ano, na França e na Áustria. Seu estilo de pilotagem era lindíssimo e ousado, deixando a traseira derrapar e encostando o joelho no chão, uma técnica que Kenny Roberts iria depois surrupiar.
Quando o pelotão se dirigia à Curva Grande, a primeira após a reta dos boxes, Pasolini subitamente perdeu o controle. Sua Harley-Davidson havia travado a cerca de 210 km/h jogando-o no chão e Saarinen, logo atrás, não conseguiu evitá-lo.
Os dois pilotos escorregaram em direção ao guard rail, envolto em favos de feno, e depois foram arremessados de volta para a pista, com o finlandês de 27 anos sendo atropelado pelo pelotão que vinha atrás. Tanques de combustível se romperam, faíscas voaram e uma bola da fogo tomou conta da curva.
Ao todo, 14 pilotos caíram, apenas um ou dois conseguiram passar pela carnificina. Vários ficaram gravemente feridos. Saarinen morreu no local. Pasolini ainda chegou a ser levado para o hospital, onde seria reanimado pelo doutor Claudio Costa, que anos depois seria médico chefe na MotoGP.
Apesar dessa cena de horror, nenhuma bandeira amarela foi mostrada e a corrida não foi interrompida. Muitos dos sobreviventes continuaram correndo, abrindo caminho em meio aos fiscais que tentavam tirar os destroços do caminho, até que eles pararam nos boxes por vontade própria.
“Fui a terceira pessoa a cair”, disse o britânico Chas Mortimer ao site Motorsport Magazine, lembrando-se daquele dia ainda com lágrimas nos olhos. “Eu matei Pasolini, na verdade. Há uma foto minha saindo das chamas com Pasolini caído do outro lado da estrada e eu correndo direto para ele.“
“Eu fui praticamente a única pessoa capaz de sair caminhando disso. Todos os outros foram afastados de maca. Lembro-me de correr para ver Jarno – toda a sua cabeça tinha virtualmente desaparecido. Foi horrendo… foi um acidente enorme, o maior que já houve em corridas.“
Foram circunstâncias que lembraram muito o acidente fatal de Marco Simoncelli, em Sepang 2011, com exceção do fogo: “esse acidente realmente trouxe Monza de volta para mim. Sinto muito por Colin Edwards e Valentino Rossi”, disse Mortimer. Ambos atropelaram Simoncelli.
Todos os especialistas são unânimes em afirmar: Jarno Saarinen era um gênio e caminhava para se tornar um dos maiores de todos os tempos. Em pouco mais de uma temporada – entre setembro de 1971 e maio de 1973 – ele venceu 17 GPs nas classes 250, 350 e 500cc.
Eles também concordam que o Mundial poderia ter tomado um rumo muito diferente se Saarinen não tivesse morrido. A Yamaha se retirou das corridas, abrindo caminho para Phil Read vencer com uma já obsoleta MV Agusta. Agostini poderia ter se aposentado mais cedo e Barry Sheene teria tido muito mais dificuldades do que teve para vencer os títulos de 1976 e 1977.
Duas investigações foram instauradas para apurar as causas do acidente, uma da polícia italiana, outra da própria Yamaha. A maioria culpou Walter Villa, cuja Benelli quatro tempos teve um vazamento de óleo durante a corrida de 350cc anterior e os organizadores se recusaram (!) a limpar a pista.
Anos depois, percebeu-se que, na verdade, a culpa não havia sido de Villa: os investigadores descobriram que o pistão do lado direito da Harley de Pasolini havia emperrado causando a sua queda. O rudimentar sistema de refrigeração a água da moto era o verdadeiro culpado.
Mas os pilotos culparam mesmo as barreiras de proteção. Novidade na época, as Armco barriers começaram a ser instaladas visando as corridas de carros, para evitar que eles descessem pelas ribanceiras que normalmente ladeavam as curvas, rumo às árvores.
Só que no motociclismo, essas barreiras tinham um efeito colateral terrível: pilotos e motos eram ricocheteados de volta para a pista, onde podiam ser atropelados por outros competidores, exatamente como em Monza 1973. A maioria deles era totalmente contra a instalação das barreiras.
“Éramos cidadãos de segunda classe porque os carros davam mais audiência“, acrescenta Mortimer. “Outro problema era que os organizadores eram uns mafiosos. Haviam muitos homens terríveis que simplesmente não estavam interessados em segurança e simplesmente diziam: ‘já para a sua moto, colega’“.
“Por muitos anos, pressionei muito para fazer com que os organizadores tirassem essas malditas barreiras“, disse Giacomo Agostini. “Acho que o acidente fez com que todos percebessem que as barreiras eram ruins, mas a verdadeira razão pela qual foram removidas foi que a Fórmula 1 também percebeu que as barreiras eram perigosas porque podiam romper tanques de combustível e causar incêndios.”
De fato, dois acidentes fatais aconteceram na F1, ainda em 1973, envolvendo as barreiras. O primeiro com Roger Williamson, envolto em uma bola de fogo no GP da Holanda; o segundo com o popular piloto francês François Cevert, no GP dos Estados Unidos, em Watkins Glen.