A visão de uma Kawasaki e sua chamativa pintura verde em meados dos anos 1990 foi o primeiro contato de muitos com uma superbike de verdade. Era a Ninja ZX-7R, modelo que entrou para a história com sua combinação de potência e maneabilidade.
A sua história começa em 1987 quando a Federação Internacional de Motociclismo anunciou a criação do Mundial de Superbike. Era um novo campeonato que prometia muita briga entre as fabricantes através de suas motos esportivas de rua, algo mais tangível do que os protótipos inacessíveis das 500cc.
Na sequência do anúncio, quase todas as principais marcas resolveram participar. A Honda desenvolveu a mítica VFR 750R RC30. A Ducati criou a icônica 851. A Yamaha desenvolveu a tecnológica FZR 750R (OW01) e a Suzuki levou a já aclamada GSX-R 750.
Naquele tempo, 750cc era a cilindrada considerada ideal. Como não existiam recursos eletrônicos, mais potência exigia motores maiores, o que deixava as motocicletas pesadas. 3/4 de 1 litro era o deslocamento volumétrico com o melhor compromisso entre força e agilidade.
A Kawasaki não tinha um modelo adequado com essa cilindrada para enfrentar a concorrência, apenas uma sport-touring, a GPX 750. Os japoneses então resolveram aproveitar esse motor envolvendo-o em uma carroceria muito mais leve, aerodinâmica e atraente.
A cilindrada cresceu de 742 cm³ para 749 cm³, mas o diâmetro e curso permaneceram os mesmos, 68 x 51,5 mm. Um novo radiador, embreagem, cárter e comando de válvulas foram instalados e os carburadores passaram de 32 milímetros para 36 mm.
Em termos de potência máxima, o resultado ficou praticamente inalterado, 106 cv a 9.000 rpm, bastante modesto mesmo na época. A intenção era deixar a moto “amigável” ao motociclista comum e oferecer uma base preparatória a quem pretendia levá-la às pistas com kits oficiais, inclusive.
A maioria das mudanças concentrou-se na ciclística. Um novo quadro e balança de alumínio foram projetados. Os garfos “telehidráulicos” de 38 mm da GPX 750 deram lugar a unidades telescópicas de 43 mm completamente ajustáveis na compressão e rebote. Os discos de freio de 270 mm foram substituídos por outros de 310 mm, com pinças de 4 pistões e os pneus ficaram mais largos.
1989/1990 – O nascimento do “Ferrão”
Nessa configuração, a Kawasaki apresentou, em 1989, a Ninja ZX-7R (ZXR 750 nos Estados Unidos e França). Essa primeira geração, denominada pela marca como H1 e pelos fãs como “Stiger” (ferrão), foi um caso de amor à primeira vista. Com seus faróis duplos e linhas acentuadas por uma chamativa cor verde, era motocicleta para dominar os anos 1990.
Mas o que realmente cativava na ZX-7R era sua capacidade de oferecer o mesmo desempenho das rivais mais caras gastando muito menos. Apesar do sucesso, a H1 foi considerada rude e exigente pela imprensa especializada, motivo que levou a Kawasaki a trabalhar arduamente já para o ano seguinte.
Em 1990, a ZX-7R H2 parecia a mesma, mas era uma motocicleta bastante modificada. Os carburadores Keihin CVKD38, por exemplo, passaram a ser de 38 mm. Um radiador maior foi instalado e retoques foram feitos em termos de embreagem, distribuição e lubrificação, além de o motor incorporar pistões e bielas ligeiramente mais leves.
As mudanças fizeram-na chegar a 115 cv a 11.000 rpm e 7,9 kgf.m a 9.500 giros. Se a potência ainda não era de encher os olhos, os kits oferecidos para competição atingiam facilmente os 130 cv na roda. Além de tudo, um novo braço oscilante mais moderno em forma de pirâmide foi introduzido para melhorar a dirigibilidade.
1991/1992 – Arrebatando corações
Mas o grande salto de qualidade viria em 1991. Apresentada em Shah Alam na Malásia ao lado da igualmente lendária Zephyr 750, a nova geração “J1” era praticamente outra motocicleta. O diâmetro e curso foram aumentados para 71,0 x 47,3 mm resultando em 121 cv a 10.500 rpm, potência logo limitada a 100 cv no território europeu.
Para corrigir definitivamente os problemas de dirigibilidade, a J1 passou a ostentar garfos invertidos Kayaba de 43mm, pneu 185 na traseira e um entre-eixos mais curto, de 1.420 mm. Graças ao novo quadro 4 quilos mais leve, o peso a seco era agora de 195 kg. O design foi refinado e suas linhas acentuadas tornando-se uma das motos mais atraentes da época.
As limitações de potência também levaram a Kawasaki a desenvolver simultaneamente uma versão de homologação exclusiva para as pistas, a K1. Visualmente eram idênticas, mas a ZX-7RR possuía lugar apenas para o piloto, carburadores FVKD39 de porta plana, comando mais agressivo, taxa de compressão de 11,5:1 e rotação máxima estendida a 12.800 rpm em vez das 12.000 da J1.
Curiosamente, as bengalas invertidas foram reduzidas para 41 mm, o que supostamente melhorou a sensibilidade dos pilotos. O amortecedor traseiro também era diferente, com reservatório a gás e oferecia maiores possibilidades de ajuste, como pré-carga, compressão, extensão e rebote.
1993/1995 – Auge e título no Mundial de Superbike
Após o modelo J2 em 1992, praticamente idêntico ao anterior, com exceção de um amortecedor traseiro mais macio, a Kawasaki continuou o desenvolvimento da ZX-7R em 1993 a partir da K1 de competição. O resultado foi a geração L, outro passo adiante.
Buscando um aspecto mais limpo, os tubos que levavam ar para as cabeças dos cilindros desapareceram. Em seu lugar foi instalado um verdadeiro “Ram Air”, com entrada de ar no lado esquerdo dos faróis, uma marca registrada da geração. O motor recebeu novos pistões, cabeçote e virabrequim, o que aumentou a potência em médios e altos regimes. Os garfos passaram a ser de 41 mm para todas.
Da mesma forma como as anteriores, a geração L tinha versões mais radicais para as pistas chamadas internamente de M1 e M2. Pelas mãos de Scott Russel, uma M1 do Team Muzzy ganhou o título do Mundial de Superbike em 1993 derrotando Carl Fogarty e sua Ducati 888. Foi o único título da Kawasaki no campeonato até 2015 com Jonathan Rea.
Os anos de 1994 e 1995 foram poucas mudanças, com exceção das cores, cada vez mais exóticas e chamativas. Durante esse período, a Kawasaki se concentrou no lançamento da nova Ninja ZX-6R. Ao mesmo tempo a alcunha “ZXR 750” foi definitivamente abandonada e a motocicleta passou a ser ZX-7R em todos os mercados.
1996/2003 – Chegada da última geração, P1-P8
Na metade dos anos 1990, a ZX-7R começava a sentir o peso da idade, por isso uma geração completamente nova, a “P” foi apresentada em 1996. Sua grande característica estética são as entradas de ar duplas ao lado dos faróis.
Ultra curto, o motor tinha o diâmetro e curso de 73,0 x 44,7 mm, taxa de compressão em 11,5: 1 e o retorno dos carburadores Keihin de 38 mm. O resultado se traduziu em uma potência máxima de 129 cv a 12.000 rotações por minuto.
O chassi em dupla trave de alumínio continuava absolutamente imperturbável no que concerne a rigidez, uma crítica. Os garfos voltavam a ser de 43 mm com 120 mm de curso. Novas pinças de freio axiais Tokico de seis pistões substituíam as antigas de quatro. O pneu traseiro agora era de 190.
Nessa mesma época foi desenvolvida a última ZX-7RR, a N1 que incorporava carburadores quádruplos de porta plana, caixa de câmbio do tipo cassete com relações muito próximas e um alternador mais leve. Ao contrário das gerações anteriores, o tanque não era de alumínio e sim de aço.
O habitual assento único foi instalado em um quadro menos rígido, uma exigência dos pilotos. As suspensões ofereciam maiores possibilidades de ajuste. Eram 28 cliques de compressão, 13 de extensão nos garfos e 14 posições de extensão para o amortecedor traseiro. Também eram reguláveis os ângulos de direção e de comprimento do braço oscilante. As pinças de freio eram Nissin de seis pistões.
Essa geração da ZX-7R permaneceu em produção apenas com mudanças de cor até ser retirada de linha em 2003, mesmo ano em que o WorldSBK passou a permitir motos de 1.000cc no grid. Sua única rival nesse período era a Suzuki GSX-R 750, cerca de 25 kg mais leve e, por isso mesmo, considerada mais nervosa na estrada. Yamaha FZR 750 e Honda VRF 750R já haviam se despedido.
Em 2013, a revista Cycle World reuniu alguns modelos clássicos das décadas de 1980 e 1990 para que o lendário Freddie Spencer (único piloto a conseguir a proeza de ser campeão das 500cc e 250cc no mesmo ano) desse uma impressão atualizada de como eram. Entre elas havia uma Ninja ZX-7R 1991.
Spencer gostou muito do comportamento da motocicleta nas curvas e o seu equilíbrio geral foi muito elogiado, com grande estabilidade: “Esta não é definitivamente uma moto arisca“, comentou o tricampeão. “Podemos realmente relaxar e deixar os pneus agarrarem o asfalto“.
Na telona
Moderna e chamativa, a Ninja ZX-7R não demorou a aparecer em filmes e seriados logo após o seu lançamento em 1989, como em um episódio da série “Baywatch” (S.O.S Malibu no Brasil), com sua indisfarçável cor verde.
Também é uma ZX-7R que aparece no começo do filme “True Lies” (1994), aquele estrelado por Arnold Schwarzenegger, assim como em “A Demolidora” (1995) e “Fúria em Duas Rodas”, de 2004. Ao todo, são 12 aparições que se tem conhecimento.
A ZX-7R desembarcou no Brasil assim que a importação de veículos voltou ser liberada em 1990. Em um país acostumado apenas a Honda e Yamaha de pequenos deslocamentos, a visão de uma Kawasaki 750cc carenada e pintura verde chamativa transformou-se rapidamente em sonho de consumo.
As gerações J, L e P foram vistas por aqui embora a última, de 1996, é a que mais se pode encontrar à venda no Brasil. Como todo veículo esportivo, essas motos foram usadas até quase o seu extermínio, de modo que é bastante raro achar uma inteira. Nos últimos tempos, os valores estão subindo rapidamente, mas ainda custa uma fração de uma Honda CB750F, por exemplo.