Hoje nem parece, mas a Honda já dominou completamente a MotoGP com sua série de modelos RC211V, RC212V e RC213V, um domínio que você confere aqui e eles estão fazendo de tudo para recuperar.
No começo do século 21, as lendárias 500cc estavam com os dias contados. O desenvolvimento dos motores de dois tempos já tinha atingido o máximo que a tecnologia poderia suportar. Seus níveis de poluição também incomodavam o planeta.
Portanto, a Federação Internacional de Motociclismo (FIM) reintroduziu motos de quatro tempos, com um máximo de seis cilindros e 990 centímetros cúbicos a partir de 2002. Para marcar a mudança, a categoria também teria um novo nome: MotoGP.
A Honda então tratou de desenvolver um modelo inteiramente novo para substituir a NSR500, vencedora de diversos títulos com Wayne Gardner, Mike Doohan e Alex Crivillé. A nova máquina seria chamada de RC211V, cuja sigla significa:
- RC = prefixo dos motores Honda, quatro tempos de corrida;
- 211= os dois primeiros dígitos significam século 21. O terceiro, 1º geração;
- V = arquitetura do motor.
E era no motor que a RC211V se destacava. A Honda optou por alocar na moto um inédito (em corridas) motor de cinco cilindros em V. Três ficavam à frente, enquanto os outros dois atrás, afastados em um ângulo de 75,5 graus.
A solução logo se mostrou acertada, pois a moto ficou com um nível de vibrações muito reduzido. Isso evitou também a necessidade de um balanceador secundário, o que manteve o motor leve e aumentou a potência. A diferença para as outras motos se mostrou, de fato, brutal.
A RC211V dominou totalmente em seu ano de estreia, vencendo o título com Valentino Rossi e 14 das 16 etapas da temporada 2002. Curiosamente, um dos poucos à superar o italiano foi justamente Alex Barros, assim que recebeu o novo modelo no GP do Japão.
Se o motor era uma maravilha, o mesmo não se pode dizer da dirigibilidade, principalmente por que a moto ainda não contava com controle de tração. E esse aspecto foi o mais trabalhado para a versão 2003, que ganhou o dispositivo, além de modificações na geometria de suspensão. O escapamento também foi alterado, de duas saídas para três.
As mudanças deixaram a RC211V muito mais fácil de pilotar para Rossi, que chegou ao tricampeonato em 2003. O domínio foi ainda maior, com a moto vencendo nada menos do que 15 das 16 corridas da temporada. Uma covardia. Entretanto, essa seria a última temporada do italiano na Honda, o que se revelaria um duro golpe para a marca.
A Honda continuou lapidando a moto em 2004 e 2005, colocando inovações eletrônicas, como acelerador ryde-by-wire HITCS (Honda Intelligent Throttle Control System), além de refinar o quadro e o motor. Contudo, nessas temporadas a marca foi completamente ofuscada pela rival Yamaha, que havia desenvolvido uma nova YZR-M1 para Rossi.
A volta ao sucesso aconteceu em 2006. Naquele ano, o último das 990cc, Nicky Hayden usou duas versões da RC211V: uma era derivada do modelo 2005; a outra era mais compacta, uma espécie de prévia para as 800cc que vigorariam no ano seguinte. O acelerador HITCS II tinha uma conexão direta com os três cilindros da frente, garantindo uma resposta mais forte e mais suave.
Foi o suficiente para que a moto vencesse oito vezes em 2006, pelas mãos de Marco Melandri, Dani Pedrosa, Toni Elias e Hayden, que trouxe o título novamente para a Honda. Essa, no entanto, foi a última temporada da RC211V. A segunda geração chegaria em 2007.
RC212V (2007-2011)
Para a nova era das 800cc a Honda desenvolveu a compacta RC212V. Com uma forte centralização de massas à frente, a nova moto impressionava pelas dimensões extremamente diminutas. Possuía como característica uma rabeta mínima e um novo motor V4, mais convencional do que o antigo V5.
Mas em 2007, Honda e Yamaha foram pegas de surpresa pela velocidade da Ducati. Os italianos deram o pulo do gato na pré-temporada, fazendo o motor mais potente, devidamente dosado com diversas ajudas eletrônicas. Nas retas, era frequente ver as motos japonesas serem engolidas por Casey Stoner, que venceria o título com relativa facilidade.
A Honda tentou contornar a situação, criando uma versão mais convencional em 2008, menos centralizada, com carenagem mais aberta para reduzir o calor e melhorar o equilíbrio. Para contornar a falta de potência, eles testaram um motor com válvulas pneumáticas, mas demorou até a metade da temporada até que esse propulsor estivesse pronto para ser usado em corridas.
Enquanto isso, quem se dava melhor era a Yamaha. Com uma M1 também utilizando motor com válvulas pneumáticas, porém melhor desenvolvido e uma central eletrônica mais apurada, a marca dos diapasões voltava a ser campeã com larga vantagem em 2008 e 2010.
O primeiro semestre de 2009 foi o mais complicado para a Honda desde o início dos anos 1990. Com problemas de potência e dirigibilidade, a RC212V conseguiu apenas um único pódio nas primeiras etapas. A solução só veio na segunda metade do ano, com um chassi inteiramente novo.
Outra alteração importante foi uma mudança no fornecimento de suspensão, que passou da japonesa Showa para a sueca Öhlins. A temporada de 2009 terminou com três vitórias para a equipe Repsol Honda, duas para Pedrosa, uma para Andrea Dovizioso, o que resultou no vice-campeonato.
Em 2010, em um esforço final para melhorar a RC212V, a Honda “roubou” da Yamaha nomes importantes, como Andrea Zugna, o mago da eletrônica, Cristian Battaglia, engenheiro de corrida e Carlo Luzzi, ex-técnico de telemetria de Jorge Lorenzo. No entanto, o grande trunfo da marca estava em seu novo primeiro piloto para 2011: Casey Stoner.
O quadro e o braço oscilante eram basicamente os mesmos de 2010, mas a grande inovação técnica estava no câmbio “seamless”: Através de um complexo sistema de dupla engrenagem, a caixa de mudanças da RC212V passava de uma marcha para outra, sem intervalos de potência, o que reduzia consideravelmente o tempo no cronômetro.
Era a inovação e o piloto que a Honda precisava para reassumir a liderança do campeonato. Stoner venceu 10 provas em 2011 e Pedrosa outras três. A RC212V finalmente estava desenvolvida, mas o regulamento mudaria mais uma vez em 2012.
RC213V (2012-presente)
Na temporada 2012, as máquinas de MotoGP voltaram à ser de 1000 cilindradas cúbicas. Uma moto inteiramente nova foi projetada, a RC213V, o terceiro projeto de MotoGP da Honda, no século 21. O motor, no entanto, manteve-se um V4 à 90º, mas agora com uma potência chegando aos 230 cv em uma estrutura de apenas 160 kg!
Stoner manteve-se na briga pelo tricampeonato até fraturar o tornozelo nos treinos para o GP dos EUA. O australiano precisou se afastar antes da hora e a briga pelo título ficou entre Dani Pedrosa e Jorge Lorenzo. No final, venceu o espanhol da Yamaha, mas não havia dúvidas de que a RC213V era muito mais competitiva do que sua antecessora.
Com Stoner abandonando as pistas, a Honda trouxe Marc Márquez para a temporada 2013. O casamento entre a RC213V e o audacioso piloto espanhol mostrou-se ainda mais produtiva, dominando essa temporada, assim como a seguinte, 2014. Com treze triunfos, eles quebraram o recorde de vitórias na mesma temporada de Mick Doohan com a NSR 500 em 1997.
Esse sucesso fez com que a Honda lançasse em 2015 a RC213V-S, uma versão limitada para as ruas da motocicleta aproveitando o sucesso que a marca vivia na MotoGP. Mesmo caríssima, todas as unidades da motocicleta foram comercializadas em pouquíssimo tempo e já são peças de coleção.
Márquez ainda conseguiria os títulos de 2016, 2017, 2018 e 2019 para a Honda, mas algo começou a se fazer notar: apenas o espanhol parecia ser competitivo com a RC213V. Os demais pilotos da marca sempre reportavam ter enormes problemas para conduzi-la.
É difícil apontar de fora quais foram as causas para o declínio da Honda na MotoGP. Há quem diga que o estilo de pilotagem incomum de Márquez, fortemente apoiado na aderência do trem dianteiro, desequilibrou a moto para os outros pilotos.
Também há quem diga que a saída de Dani Pedrosa, um piloto muito assertivo ao explicar o comportamento de uma motocicleta, também foi fundamental para esse processo e ainda há quem argumente que a Honda ficou preguiçosa, acostumada com Márquez vencendo de qualquer jeito.
Vai ser interessante observar agora, como a marca se vira sem Márquez e sem nenhum piloto reconhecidamente genial. De qualquer maneira, a Honda não deve criar uma “RC214V” antes da introdução dos novos regulamentos técnicos em 2027, quando a capacidade cúbica do motor deve ser reduzida para 850cc.