O ano de 2019 é especial para os fanáticos fãs da Honda CB 750. O lançamento da primeira superbike da história moderna está completando 50 anos. Saiba como a lenda começou aqui.
A história da CB 750 começa em meados dos anos 1960. A Honda já era, na época, a maior fabricante de motos do mundo ganhando notoriedade internacional com a pequena C100 Super Cub, principalmente nos Estados Unidos. Mas o seu maior modelo disponível na época tinha apenas 450cc de deslocamento, a CB 450 Black Bomber, lançada em 1965.
Com um motor de dois cilindros e duplo comando, a CB 450 havia sido concebida especialmente para seduzir o consumidor norte-americano. Mas apesar de atingir quase 180 km/h, ela não conseguia roubar adeptos de Harley-Davidson e Triumph, ambas com motores bem maiores. Claramente, havia uma demanda por motos de alta cilindrada em andamento.
Enquanto isso, a Honda havia entrado no Mundial de Motovelocidade em 1966 dando ao genial Mike Hailwood a incumbência de pilotar a selvagem RC166, de seis cilindros nas pistas europeias. Após um começo conturbado, o britânico finalmente começou a apresentar resultados em 1967, quando emplacou cinco vitórias consecutivas. O título não veio por detalhe, mas no fim daquele ano, a FIM decidiu restringir a categoria 500cc a um máximo de quatro cilindros.
Isso desinteressou imediatamente a Honda, que desistiu de continuar no campeonato preferindo focar-se na Fórmula 1. É quando entra em cena o Gerente de Serviços da marca dos Estados Unidos, Bob Hansen. Ele voou até o Japão para conversar pessoalmente com o patrono da marca, Soichiro Honda.
Hansen pretendia convencer a Honda a utilizar sua tecnologia e experiência adquirida nas pistas para criar uma superbike de rua. Soichiro, no entanto, não ficou muito animado com a ideia, mas mandou o líder de projeto Yoshiro Harada para o Estados Unidos avaliar a situação.
Harada fez de tudo para mostrar aos norte-americanos o quanto a CB450 era superior às Harleys e Triumphs de então. Foram mil argumentos que não produziram efeito algum. A resposta era sempre a mesma: “querermos uma moto de maior cilindrada“. Mas quanto maior? A resposta o próprio Soichiro Honda descobriria em uma visita à Suíça.
“Um policial em uma motocicleta branca entrou no parque onde estávamos. Eu o assisti descer da moto e fiquei pensando no quanto ela parecia pequena, ou ele era muito grande“, disse depois. “Fiquei espantado ao descobrir que era um Triumph de 750cc. Então, na verdade a motocicleta era bem grande, mas parecia pequena. Soube então que nossas motos não venderiam em mercados estrangeiros se as mantivéssemos de acordo com nossas percepções japonesas“, admitiu.
Com o chefe convencido, uma nova motocicleta seria feita. Ainda assim, o plano inicial indicava a criação de outra bicilíndrica. Felizmente Bob Hansen interveio novamente: “O novo modelo tem que ser de quatro cilindros“, insistiu durante um almoço. O empresário já sabia que a Triumph estava desenvolvendo uma tricilíndrica, a futura Trident 750, e o impacto de uma tetracilíndrica seria bem maior.
Concepção e desenvolvimento
Em fevereiro de 1968, uma equipe de projeto foi formada. A nova motocicleta deveria produzir 67 cv, ou seja, um a mais que a Harley-Davidson mais potente da época, de 1300cc. Além de ter desempenho e confiabilidade superiores, o design dos quatro cilindros e quatro escapes foi cuidadosamente lapidado para deixá-la com a mesma aparência das máquinas de corrida da época.
O novo motor de 736 cm³, oito válvulas, comando no cabeçote e quatro cilindros foi construído em menos de seis meses. Para manter suas dimensões reduzidas, o virabrequim era de peça única e apoiado sobre mancais bipartidos lisos, lubrificados sob pressão (cárter seco, sem reservatório de óleo). O acionamento do comando era feito ao centro dele e não em suas extremidades, o que contribuiu para deixá-lo mais estreito.
Testado em um chassi de CB 450, o propulsor mostrou ser forte e suave desde o início. Mas havia um problema: a moto era tão potente que não havia freios a tambor disponíveis capazes de pará-la! A solução foi adicionar freios a disco de 296 mm, pela primeira vez em uma moto de rua. O modelo ainda teria outras inovações, como partida elétrica (pedal mantido) e câmbio de cinco marchas.
Os testes foram realizados em Arikowa no Japão e no deserto de Nevada, nos Estados Unidos, já que o público alvo era o norte-americano. Uma comparação final foi feita no circuito de Suzuka, entre a CB 750, uma Harley FL, uma Norton Commando e uma Triumph Trident, novinha em folha. De acordo com Bob Jameson, responsável por fazer os testes de durabilidade, a moto japonesa fez todas comerem poeira.
“A Harley foi logo estacionada, não pertencia àquele ambiente“, relembra Jameson. “A Triumph e a Norton não paravam de dar contratempos. A Trident não conseguia fazer uma curva sem arrastar tudo, e a Norton vibrava tanto que o cabo de transmissão se soltou! A CB750 foi considerada superior em todos os sentidos“.
O protótipo praticamente finalizado ficou pronto a tempo de participar do Salão de Tóquio em 28 de outubro de 1968. Em janeiro de 1969, quatro modelos pré-serie, nas cores vermelho, azul, verde e dourado foram levados à reunião dos revendedores em Las Vegas, onde seu preço foi definido: US$ 1.295, quase mil dólares a menos do que qualquer rival. A primeira moto deixou a linha de produção em 15 de março.
O preço bem mais baixo fez com que as encomendas rapidamente se esgotassem, redefinindo a estimativa inicial de 1500 unidades anuais para 3000 por mês. “Como essas motos estavam sendo vendidas entre 2.800 e 4.000 dólares, todos os concessionários explodiram em aplausos quando souberam do preço“, lembrou Yoshiro Harada. Para conter a enorme demanda, o valor logo foi aumentado para US$ 1.495.
Seu impacto na indústria motociclística
A moto não era apenas mais barata, também tinha atributos irresistíveis: 67 cv disponíveis a 8.000 rpm que produziam um “urro” nunca antes visto nas ruas e se tornaria sua marca registrada. O torque de 6,1 kgf.m também era mais do que suficiente para empurrar a motocicleta a quase 200 km/h, uma loucura em uma época onde o uso de capacete não era nem obrigatório.
“Foi um avanço total no motociclismo. Naquela época, eu já havia pilotado quase tudo. Essas primeiras Honda CB 750 foram como ir direto da Idade da Pedra para a Era da Computação. E elas eram tão rápidas!“, relembra Bob Jameson.
Nem tudo eram flores, no entanto. Se o motor era uma joia, a ciclística foi considerada apenas satisfatória, com seu quadro de berço duplo de aço flexível e suspensão dura, apesar de possuir regulagens na pré-carga dos amortecedores traseiros. Mas o seu inegável potencial ficou claro ao vencer as 200 milhas de Daytona de 1970, pelas mãos do piloto Dick Mann.
O surgimento da Honda CB 750 estremeceu suas rivais. A Kawasaki, que nessa época também estava desenvolvendo uma 750cc de quatro cilindros resolveu interromper o projeto e voltar à prancheta. O resultado apareceria apenas três anos depois, com a fantástica Z1, de 903 cm³ e duplo comando de válvulas.
A Triumph/BSA também tinha planos de voltar a uma posição de liderança tecnológica na indústria com a Trident 750, que debutou apenas algumas semanas antes da CB 750. Entretanto, o seu motor de três cilindros de “apenas” 58 cv, acoplado a um câmbio de quatro marchas não eram tão interessantes quanto a CB 750.
Mesmo na própria Honda, o modelo causou impacto, criando uma nova “família” com motores de quatro cilindros em linha para atender ao ávido público norte-americano. A CB 500 surgiu em 1971 e a CB 350 no ano seguinte. Em 1975, ela evoluiu para CB 400F e tinha como característica o inconfundível desenho dos coletores de escapamento puxados para o lado direito, herança que CB 600F Hornet e CB 650F mantêm até hoje.
Ditando as regras nos anos 1970
A primeira geração da CB 750 chamada de “K0” foi produzida até outubro de 1970. Outras oito surgiriam nos anos seguintes, com pequenos refinamentos estéticos e mecânicos. Em 1975 surgiu a variação “F” (em alusão a seus 4 cilindros), que tinha algumas diferenças, como tanque de combustível maior (19 litros), trava de guidão incorporada ao miolo de ignição, escapamento “4×1” e freio a disco na traseira. Graças a algumas mudanças no comando e no carburador, a potência agora chegava a 73 cv.
Vendida no mundo inteiro, a CB 750 recebeu pequenos ajustes para se adequar aos diferentes mercados. Por exemplo, os modelos na Europa e Japão vinham com guidão mais baixo do que nos Estados Unidos. Uma versão com transmissão automática chamada de “CB 750 A” chegou a ser oferecida entre 1976 e 1978, para atrair donos de scooters e motoristas inconformados com a crise do petróleo.
Em 1979, após dez anos de mercado estreou a geração “KZ”, desenvolvida totalmente do zero, com um novo motor de 748 cm³, com duplo comando para suas 16 válvulas. O design também havia ficado mais moderno, inspirado em sua irmã maior, a CBX 1050 de seis cilindros, que foi lançada no ano anterior.
O mercado, porém, já havia mudado bastante. Além da concorrência, a CB 750 tinha de lidar agora com rivais dentro da própria Honda, como a CBX 1050 e a recém-lançada CB 900F, a resposta da marca para a Kawasaki Z1. Esse modelo, no entanto, não foi lançado nos Estados Unidos justamente para não canibalizar as vendas entre as demais.
Essa situação fez com que a Honda apresentasse nos Estados Unidos e Japão a CB 750 FZ Super Sport, que continha o mesmo estilo, quadro e painel da CB 900. Outra curiosa criação exclusiva para o mercado norte-americano foi a CB 750 Custom Exclusive em 1979: com guidão alto, assento marrom em dois níveis e mais cromados, era uma tentativa de aproximar os adeptos das customs.
Essa geração, contudo, não foi tão aclamada quanto a anterior. O motor teve de ser alargado para receber o duplo comando e as 16 válvulas anulando uma de suas principais vantagens. E, apesar de contar com discos duplos na dianteira, 77 cv e cinco dos 6,6 quilos de torque já disponíveis a apenas 4.000 rpm, a KZ ficou com fama de ter dirigibilidade ruim e uma maior tendência a ter problemas mecânicos. Sua produção foi encerrada em 1983. Entretanto, suas descendentes genéticas foram fabricadas até 2003!
O surgimento da “Sete Galo” brasileira
A CB 750 chegou ao Brasil logo no início, em setembro de 1969. Assim como no exterior, não havia nada que chegasse perto no mercado nacional e foi um sucesso. O público brasileiro logo passou a chamar o modelo de “Sete Galo”, expressão oriunda do Jogo do Bicho, onde o animal em questão corresponde ao número 50.
O Brasil, contudo, não recebeu todas as gerações. As que vieram para cá foram a K0 (1969/70), K1 (1970/71) e K2 (1972), que foi oferecida até 1975. A K3 (1973), K4 (1974) e K5 (1975) não foram trazidas, esta última disponível apenas nos Estados Unidos. A última a desembarcar por aqui foi a K6 (1976), antes de o governo Geisel fechar as importações em abril daquele ano.
É o caso do colecionador Luis Netto, de 59 anos, 26 deles pilotando apenas a Sete Galo. Atualmente, Netto é proprietário de sete modelos. Sua última aquisição foi uma CB 750F 1974, que comprou em São Paulo e veio rodando até o Rio Grande do Sul, sem nenhum problema. “Pilotá-la é uma sensação maravilhosa, o ronco é indescritível. O conforto é de um Landau“, compara. O consumo foi calculado em 18 km/l na estrada. “Dizem que bem reguladinha faz até mais“, afirma.
Em 1986, ainda com as importações proibidas, a Honda do Brasil deu um jeito de trazer algumas unidades do modelo CBX 750 F2 (RC17), que havia sido lançada no Salão de Paris de 1983 e estava sendo comercializada principalmente na Europa, Austrália, Japão e África do Sul. Sua intenção era de nacionalizá-la no ano seguinte.
Embora possua motor e quadro derivados da CB 750 original, esse modelo tem a suspensão traseira mono-amortecida (Pro-Link) e um design complemente diferente, inspirado na VF 750F Interceptor, bem ao estilo dos anos 1980, onde Suzuki Katana e Kawasaki Ninja GPZ 900 estabeleciam as tendências estilísticas.
Com 91 cv a 9.500 rpm e 7,1 kgf.m a 8.500 rotações, a CBX 750F praticamente não tinha rivais no limitado mercado nacional, com exceção da Yamaha RD 350R, mais barata, porém menor. No entanto, para a maioria do público, que tinha que lidar com a cobrança de ágio e uma inflação de quase 90% ao ano, adquirir uma motocicleta dessas era um sonho delirante, quase inatingível. Seu preço chegou a Cz$ 400.000, o equivalente hoje a estonteantes R$ 350 mil reais em valores atualizados.
Não é a toa que muitos só foram realizar esse sonho anos mais tarde, com a estabilização da economia, como é o caso de João Marcelo, 42 anos, proprietário de uma Sete Galo 1987 há 18 anos: “é uma moto com motor potente, confiável, de muita tecnologia da época, confortável e suave de pilotar“, garante.
Apesar dos elogios, Marcelo afirma que é preciso cuidado ao pilotar uma máquina dos anos 80: “As rodas originais, em especial a traseira tem o pneu traseiro original muito fino, de 130 polegadas“, relembra. Foi necessária a substituição por um de 180 para maior segurança.
Em 1990, outra variação foi introduzida, a “Indy”, que continha carenagem integral. Apesar de não repetir o sucesso da versão semi carenada, os modelos permaneceram no mercado até 1994, quando a produção foi encerrada após 11.312 unidades comercializadas. Cerca de 700 delas ainda tinham peças importadas.
E a aquisição de peças de reposição está se transformando em um problema, na medida em que os anos passam. “Está difícil encontrar e os preços são salgados quando alguém tem“, revela Netto. Nada que impeça o seu devotado fã-clube, que tem membros de todos os cantos do país e até do mundo: “Nós temos uma ‘rede’ de lojas que tem estoque de peças ainda. E se não conseguirmos aqui, temos contato no Japão“, garante.
A polícia de países como a Malásia, Cingapura, Hong Kong, Turquia, Gibraltar e Irlanda utilizaram a CBX 750F em suas frotas por muitos anos. De fato, alguns deles mantiveram a motocicleta em produção especificamente para atendê-los até 2001. Mas, para seus fãs, a “Sete Galo” é a moto definitiva e provavelmente vai estar com eles até o fim dos tempos.