Foi em 18 de abril de 2004 que Valentino Rossi fez a sua estreia pela Yamaha, no circuito de Phakisa, na África do Sul. O italiano travou um duelo de arrancar os cabelos com seu grande desafeto, Max Biaggi, até a linha de chegada.
Os fãs mais novos precisam tomar dimensão desse feito. Em 2003, Rossi havia se tornado tricampeão pela Honda, a melhor motocicleta da época, disparada. Naquela época. a Honda exercia o domínio que a Ducati exerce hoje. Era preciso ter uma para vencer.
Por isso, os títulos de Valentino até aquele momento eram relativizados. A impressão que se tinha era de que a moto venceria com qualquer piloto que estivesse em cima. Opinião que era reforçada sempre que podia por Max Biaggi, piloto da Yamaha até 2002.
Depois de disputar o título com Biaggi em 2001, a Yamaha ficou bem para trás na era dos motores de quatro tempos que se iniciou em 2002. A totalmente nova YZR-M1 padecia de muitos problemas e não era páreo para a Honda RC211V de cinco cilindros.
Rossi, claro não concordava com isso. E pretendia mostrar que era o piloto que fazia a diferença. Por isso, ele iniciou negociações com a Ducati, que logo se estagnaram. Davide Brivio, da Yamaha, apareceu com uma proposta mais interessante.
As negociações entre Rossi e a Yamaha aconteceram de forma completamente secreta, com direito a bilhetes passados por debaixo da mesa e tudo o mais. Quando o italiano informou a Honda de seus planos, eles ficaram absolutamente surpresos, gerando um ressentimento que persistiu por anos.
Decidido pela Yamaha, Rossi e sua nova equipe começaram a trabalhar. Uma nova M1 foi desenvolvida, sob a chefia de um novo diretor técnico, Masao Furusawa. O motor teria o chamado virabrequim “crossplane” para ter uma faixa de torque mais ampla, desde as rotações mais baixas.
Rossi não demorou muito para se entender com sua nova Yamaha, que era bem diferente da Honda. “Essa motocicleta precisa ser guiada como uma 250cc“, disse aos engenheiros. Isso significava uma pilotagem menos “quadrada” e mais fluída, que era do seu agrado.
Valentino e a Yamaha literalmente esconderam o jogo nos primeiros testes pré-temporada, aguardando a evolução final do motor e deixando a Honda ganhar confiança. Biaggi e seu substituto na Repsol-Honda, Alex Barros, dominaram as sessões. Apenas no último dia, Rossi mostrou as cartas. “Agora acabou a brincadeira!” gritava Brivio pelo pit-lane.
Ainda assim, quando o Mundial chegou à Welkom, na África do Sul, para a primeira etapa de 2004, o favorito era Biaggi. Seus quatro títulos nas 250cc ainda eram frescos na memória de todos, convencidos de que ele só precisava tirar Rossi do caminho para brilhar na Categoria Rainha.
O treino de classificação foi bem disputado. Rossi (Yamaha), Shinya Nakano (Kawasaki), Biaggi (Honda) e Sete Gibernau (Honda) estiveram na liderança. No final, Valentino conseguiu retomar a pole position, a sua primeira pela marca dos diapasões, o que já era um feito e tanto.
“Estou muito feliz por termos feito algo incrível, que ninguém acreditava ser possível em tão pouco tempo“, disse Rossi após o treino. “Ainda temos que trabalhar, com a Honda foi tudo mais fácil, mas a satisfação dessa volta perfeita é grande“. Biaggi partiria ao seu lado, em segundo.
O GP da África do Sul de 2004 é daquelas corridas com ares de decisão, mesmo sem ser de fato. Na verdade, o que estava em jogo era Rossi contra a Honda, Biaggi contra a Yamaha. Havia motivações pessoais para que ambos os pilotos dessem o máximo de si desde o começo.
Desde a largada, Rossi e Biaggi se afastaram do resto do pelotão e se lançaram de cabeça em seu desafio particular. Valentino ditava o ritmo, Max o acompanhava. Naqueles tempos de pouca aerodinâmica e aderência, as ultrapassagens eram relativamente fáceis e não decidiam nada até a última curva.
Os dois, portanto, trocaram de posições algumas vezes durante a corrida, mas nunca o suficiente para se garantir na liderança. A duas voltas do final, Biaggi vinha na frente, quando Rossi arriscou tudo e tirou Biaggi da linha, recuperando a primeira posição.
Visivelmente irritado, Biaggi partiu para o ataque com toda a sua fúria romana. Mas Rossi não cedeu nem um milímetro e cruzou a linha de chegada em primeiro, a primeira vitória da Yamaha desde o GP da Malásia de 2002 com… Max Biaggi!
As cenas que se seguiram após a vitória, com Rossi tendo uma celebração particular com sua Yamaha, encostada a beira da pista, evidenciam que uma relação especial havia nascido. A partir daí, as duas partes formariam uma dupla dinâmica que venceria os títulos de 2004, 2005, 2008 e 2009.