Radical, pesada, veloz e apaixonante, a Honda CBX1050 era uma motocicleta para poucos. O seu aparecimento no mercado surgiu como um abalo sísmico e, apesar de não ter sido um sucesso de vendas redefiniu, mais uma vez, o que é uma superbike.
A sua história remonta o começo dos anos 1970, quando outro produto da Honda dominava o mercado: a inesquecível CB750F. Com um revolucionário motor SOHC de quatro cilindros em linha, a máquina foi um salto gigantesco em termos de design, desempenho e engenharia.
É claro que a concorrência não ficou parada e pouco tempo depois, a Kawasaki respondeu com a incrível Z1. Seu inline four de 903 cm³ e quase 100 cv destronou a CB750. Ao mesmo tempo, a Yamaha diversificava sua linha dois tempos com a introdução da RD350. A Suzuki tinha a GT500 e GT750, de três cilindros e muito estilo.
A Honda precisava fazer alguma coisa para voltar a causar impacto. O lançamento da GL1000 Gold Wing em 1975 não empolgou por causa de sua proposta mais estradeira. Os chefões da marca, então procuraram pelo que Shoichiro Irimajir (líder do departamento de Pesquisa e Desenvolvimento) tinha em suas gavetas.
Irimajir (ou Iri) já era conhecido na Honda. Formado em engenharia aeronáutica na Universidade de Tóquio, o japonês afirmava que seu emprego na marca era “uma segunda opção” por não ter conseguido algo na aviação. Desde que entrou estava muito ligado à divisão esportiva e dizia que a quantidade de cilindros era a única maneira de enfrentar os explosivos dois tempos.
Seus projetos se destacavam por possuírem motores multicilíndricos de altas rotações como a impressionante RC165, um modelo de competição de 250cc com seis cilindros, 24 válvulas e que acelerava até 15 mil rpm. Uma década mais tarde, Iri e sua equipe criaram o “Projeto 422”, inspirando-se naquela pequena motocicleta.
Os primeiros ensaios começaram em 1976. Duas equipes trabalhavam: uma no motor, que deveria ser atraente e poderoso (a pedido do próprio Shoichiro Honda) enquanto outra (liderada por Minoru Morioka e Yoshitaka Omori) debruçava-se no design. Foi nessa época que nasceu o marcante tanque de combustível, largo na frente e estreito atrás, uma tendência que se mantém até hoje.
Haviam problemas, é claro. Um deles era como acomodar o enorme motor de seis cilindros transversais no quadro. Um chassi convencional de berço duplo estragaria completamente o visual. A solução foi criar um novo esquema, na qual o propulsor seria parte integrante do conjunto sustentado apenas por cima e por trás, outra inovação.
O primeiro protótipo já acomodava perfeitamente o motor, mas algo estava faltando em seu design, ainda muito parecido com a CB750, principalmente na traseira. A solução partiu, mais uma vez, de Yoshitaka Omori, que redesenhou a rabeta com uma espécie de capa alada, definindo de vez o visual.
Outro problema para a equipe de engenheiros foi o alto peso, por volta de 300 kg. “Como reduzi-lo foi a nossa maior dor de cabeça“, conta Iri. A motocicleta logo entrou em um rigoroso regime, passando a contar com mesa e guidão de alumínio além de outras peças mais leves. A versão de produção, no entanto, ainda possuía 272 kg quando completamente abastecida.
Por volta do segundo semestre de 1977, a Honda tinha dois novos modelos para escolher: a CB 1000F (que viria a ser a CB 900F), de quatro cilindros, e a CBX 1050 de seis cilindros. Embora a primeira tivesse se mostrado mais leve e rápida nos testes realizados em Suzuka, era a segunda que encantava.
“Nós sentíamos que havia alguma coisa divertida e emocionante ‘na seis’ que estava faltando na moto de quatro cilindros“, relembra Iri. “O ronco, a sensação de aceleração, a vibração, a sua suavidade em alta rotação… Havia algo na CBX que não podia ser mensurado e que fazia dela uma máquina muito sexy“.
A cúpula da Honda também sentia que com a motocicleta de quatro cilindros estaria apenas alcançando a concorrência enquanto a de seis partia para uma forma totalmente nova de superbike, diferente de tudo o que havia sido lançado antes. Por isso, apesar de menos eficiente, a escolha final recaiu sobre a CBX 1050.
O resultado foi um motor de 1.047 cm³, duplo comando e 24 válvulas, que produzia 105 cv a 9.000 rpm e 7,23 kgf.m de torque. A velocidade final ficava por volta dos 225 km/h, um marco para a época. Apresentada no final de 1977, já como modelo 1978, a CBX 1050 era, naquele momento, a motocicleta produzida em série mais rápida e potente do mundo.
Apesar do forte apelo emocional de sua campanha publicitária (a moto chegou a ser utilizada pelos fiscais no Troféu Turista da Ilha de Man), as vendas nunca decolaram, de fato. “Foi uma combinação de coisas, eu acho“, lembra Bob Troxel, que trabalhava em uma concessionária Honda dos EUA: “As pessoas eram curiosas e interessadas, vendemos algumas, mas, de um modo geral, a CBX era vista como grande, pesada, dispendiosa e complexa“, explica, apesar de possuir um modelo 1982 até hoje.
As avaliações da mídia especializada também foram mistas: “Precisamos desta moto, assim como precisamos de um buraco na cabeça“, escreveu um editor da revista Motorcyclist. “Sua única virtude é a aceleração crua, que nem pode ser experimentada legalmente”, indagava. Outros, no entanto, gostaram: “Estacionada, ela parece dizer ‘apenas tente’, desafiando o seu ego a pular nela e ter horas de emoção. Eu a compraria imediatamente“, dizia Brad Zimmerman na mesma edição de maio de 1978.
A primeira geração durou até o final de 1979. Para 1980, a Honda mudou alguns detalhes e amansou ligeiramente o motor (devido a novas leis de alguns países, como a Alemanha) ficando com cinco cavalos a menos, porém com mais torque em médios regimes. Em 1981, uma mudança importante: com uma nova sigla (CBX-B), a motocicleta foi reposicionada no segmento sport touring alterando de vez o seu caráter inicial de superbike.
Nesse ano, o modelo passou a contar com um único amortecedor na traseira, o “Pro-Link”, que começava a ser implementado na Honda. Os garfos dianteiros de 39 milímetros vinham com regulagens e os discos de freio, ventilados. Nos Estados Unidos, uma versão com semi carenagem e alforjes passou a ser disponibilizada muito semelhante à Kawasaki KZ1000.
Poucas mudanças aconteceram na linha 1982 (chamada de CBX-C). Apenas as cores e a cinta do assento foram alteradas. Apesar dos esforços, as vendas continuavam lentas e a produção foi encerrada no final daquele ano. A ideia era continuar apenas com a CB 900F (que também havia entrado em produção), mas mesmo essa não durou muito mais parando em 1983.
Apesar de não ter sido um sucesso de vendas, a CBX1050 marcou bastante e possui uma legião de fãs hoje. Mesmo com as importações proibidas, algumas unidades conseguiram entrar no Brasil, graças ao esforço de importadores independentes. Teve gente que até foi aos EUA só para buscá-la rodando. Um exemplar em perfeitas condições ultrapassa os R$ 100 mil reais.
“A CBX não foi construída para pragmáticos. Foi construída para os românticos, para pessoas com pontos fracos em seus corações, para expressões mecânicas máximas, para pessoas cujas razões de estarem no motociclismo são as mesmas que fizeram a moto ser construída. A CBX é uma moto imensamente lisonjeira com perfeita elegância e total classe. A história vai classificá-la como essas motos raras e preciosas que nunca, jamais devem ser esquecidas”, disse Cook Neilson da revista Cycle World.
A CBX 1050 também pode ser considerada como a motocicleta que tirou o setor de engenharia da Honda da letargia na qual se encontrava em meados dos anos 1970. Não seria errado pensar que todos os desenvolvimentos futuros da marca (como a linha VFR e NR) devem sua existência a ela. E uma prova definitiva de que a marca da asa também pode construir motocicletas emocionantes.