Em 2024, você vai ouvir falar muito da Ducati 916. A icônica superbike está completando 30 anos de seu lançamento e até hoje é uma das máquinas mais lembradas da fabricante italiana. Entenda o seu fascínio aqui.
O ano de 1994 evoca algumas imagens vívidas que permanecem nítidas mesmo 30 anos depois. Quem não se lembra da final da Copa do Mundo que nos trouxe o tetracampeonato para o Brasil? Ou o triste 1ª de maio com a morte de Ayrton Senna? Ou a chegada do Real? E o eclipse solar?
O motociclismo também era marcante. As fabricantes surpreendiam a todo o momento com seus modelos, cada vez mais rápidos, ágeis e bonitos. Motocicletas como a Honda CBR900RR, Kawasaki Ninja ZX-7R e Ducati 916 surgiram, todas, na mesma época.
A Ducati do início da década de 1990 era uma empresa muito diferente da gigante que se tornou hoje. Na época, ela fazia parte do grupo Cagiva, de propriedade de Claudio Castiglioni, e passou grande parte do seu tempo à beira do colapso financeiro.
A maré começou a virar no final dos anos 1980 com o lançamento da Ducati 851. Lindíssima e com um motor de refrigeração líquida, injeção eletrônica e cabeçotes de quatro válvulas (Desmoquattro), a moto foi um grande passo a frente.
Não demorou muito para a Ducati 851 ganhar uma evolução, a Ducati 888. Mas o departamento de design liderado por Massimo Tamburini estava fervilhando de ideias e sabia que podia ir mais longe, criando uma motocicleta diferente de tudo o que fizeram até então.
Tamburini, o chefe de motor, Sergio Robbiano e a equipe no Centro de Pesquisa da Cagiva em San Marino criaram um novo conceito. Os faróis em formato de fenda, comuns agora, foram muito inspirados na Ducati Supermono e na Honda NR, de 1992.
Inicialmente, a 916 foi concebida na forma monoposto (assento único) e com escapamentos montados lateralmente, formato que seria visto na irmãzinha Cagiva Mito 125. Depois, no entanto, eles optaram pelo escape sob o assento, outra solução da Honda NR que deixava a motocicleta mais estreita.
Quanto ao motor, como toda Ducati da época, o comando era desmodrômico, ou seja, sem molas de válvula para evitar o fenômeno da flutuação em altos regimes. O maior deslocamento foi conseguido aumentando o curso do virabrequim de 64 mm para 66 mm, mantendo o mesmo diâmetro interno de 94 mm da Ducati 888, resultando em uma capacidade cúbica de 916 cm³.
Em contraste com as concorrentes japonesas de quatro cilindros em linha da época, o motor L-twin bem aberto da Ducati 916 (inclinados a 90º) girava menos e produzia menos potência total (114 cv), mas possuía uma distribuição de torque mais uniforme e ganhava em agilidade.
Apesar do maior deslocamento volumétrico, a Ducati 916 era uma motocicleta de tamanho menor do que a Ducati 888, com uma estrutura treliçada que depois seria compartilhada com a Ducati 748, apresentada em 1995, e outras.
O braço oscilante unilateral deixava a inconfundível roda traseira de três raios totalmente exposta, mas, como todo bom projeto, isso não surgiu apenas para fins estéticos: seu objetivo era tornar as trocas de roda mais rápidas durante as corridas.
Tamburini, que também era piloto, testava ele mesmo as suas invenções com um protótipo pelas estradas italianas. O desenvolvimento levou cerca de dois anos e meio e uma dessas três unidades, que está agora no museu da Ducati, em Bolonha, é considerada um “Santo Graal”.
Apresentada pela primeira vez no salão de Milão de 1993, a Ducati 916 só chegaria à produção no ano seguinte. Nessa época, todas as motos da marca eram feitas praticamente a mão, em uma linha de produção capaz de disponibilizar apenas algumas centenas de unidades por mês.
De cara, a Ducati 916 ganhou diversos prêmios de “moto do ano” em 1994. Os comentários superlativos da imprensa especializada impulsionaram formidavelmente as vendas e, por causa da capacidade produtiva limitada, todo o primeiro lote de venda para os Estados Unidos estava vendido antes mesmo de qualquer unidade desembarcar no país.
“Ela tem motor, tem chassis, tem graça e tem beleza. É a Ducati 916 e parece prestes a influenciar o design das motocicletas nos próximos anos. Apostaríamos nossos couros nisso. Couros são uma analogia apropriada, porque a 916 foi concebida tanto como uma moto de rua quanto como uma moto de corrida. Uma moto, duas avenidas paralelas de desenvolvimento“, revista Cycle World em maio de 1994.
Como toda Ducati da época, os comentários negativos vinham dos custos dispendiosos de propriedade e de manutenção. Uma revisão precisava ser feita a cada 4.000 milhas e as correias de comando substituídas a cada 10.000 milhas, em uma época que a rede de concessionárias era bem pequena.
Mas suas imensas qualidades foram comprovadas onde é mais requerido, ou seja, nas pistas. Foi com uma Ducati 916 que Carl Fogarty venceu o título do WorldSBK em 1994, o primeiro de seus quatro campeonatos, todos com a marca italiana.
A Ducati fazia uma versão de rua e uma especial de homologação para o campeonato. Assim nasceram as versões SP (Sport Production), SP2 e SP3. As principais diferenças eram o assento para apenas um ocupante, peças de carbono, pinças de freio flutuantes e amortecedor Öhlins.
Em 1996 surgiu a 916 SPS (Sport Production Special) que apesar do nome, tinha cilindrada aumentada para 996 cm³ (chegando a 132 cv) e outras melhorias em relação a versão Strada. Era a deixa para chegada da próxima evolução, a Ducati 996.
O sucesso de Fogarty também deu um boost nas vendas da Ducati no Reino Unido e incentivou a criação de edições especiais, como a “996 SPS Foggy Replica”, que além de possuir os melhores componentes disponíveis, ainda vinha com a mesma pintura do piloto no campeonato.
No final de 1994, foi apresentada a Ducati 916 Senna. O tricampeão brasileiro conhecia os irmãos Castiglioni e era proprietário de uma 851. Poucos meses antes de sua morte, eles haviam acordado de criar uma versão com seu nome, cujos lucros seriam revertidos para a instituição de caridade que ele estava montando e se tornaria no “Instituto Ayrton Senna”.
A Ducati 916 Senna se distinguia das demais por sua pintura em cinza chumbo metálico com rodas vermelhas. A edição também vinha com os melhores componentes ciclísticos da época (os mesmos das versões SP) e um punhado de peças em fibra de carbono.
Apenas 300 unidades vendidas quase instantaneamente em 1995. Insistentes pedidos motivaram a produção das reedições Senna II, em 1997 e Senna III em 1999, que aumentaram esse total para mais algumas centenas. Hoje, quando uma aparece à venda vira notícia.
Em 1999 a Ducati 996 já era uma realidade. A evolução final foi a Ducati 998 introduzida em 2002. Além do maior deslocamento volumétrico, a motocicleta também recebeu um design aprimorado, com carenagens mais planas substituindo as originais ventiladas.
Esse também foi o último projeto de Massimo Tamburini para a Ducati. O inventivo designer já havia se lançado em empreitadas muito mais ambiciosas, como a Bimota Tesi (empresa que ajudou a fundar) além da MV Agusta F4, outra obra de arte.
Não seria exagero dizer que a Ducati 916 lançou as bases para todas todas as superbikes da marca nos anos que viriam. Depois da 998, veio a 999 em 2003, sucedida pela 1098 em 2007, pela 1198 em 2009, pela 1199 em 2012 e pela derradeira 1299 Panigale em 2015.
“Para muitos entusiastas, essa não é só a melhor superbike, mas a melhor moto que já existiu. Estabeleceu novos padrões de desempenho, comportamento e frenagem, mas também de estilo e carisma. A 916 mudou a cara das motos esportivas de uma forma que apenas a Suzuki GSX-R750 original havia conseguido uma década antes”, disse Mick Walker, no livro “Motorcycle: Evolution, Design, Passion”.
Em 2017, uma nova revolução aconteceu com a chegada da Ducati Panigale V4, que pôs fim a era dos motores “L-Twin” após 15 anos de desenvolvimento. Será que daqui a algum tempo vamos nos referir a essa motocicleta como uma clássica? Provavelmente sim.