Se você já ouviu falar de Neil Peart, provavelmente o conhece como um dos maiores bateristas de rock do mundo. Mas ele também era um motociclista dos bons, daqueles que se descobriram em uma motocicleta. Conheça esse seu lado aqui.
Nascido em 12 de setembro de 1952 em Hamilton, no Canadá, Peart começou a se interessar por instrumentos musicais aos 10 anos de idade. Inicialmente tentou o piano, mas seu talento nato estava mesmo nas baquetas. Ficava batucando por toda a casa e logo seus pais compraram um kit de bateria.
Em 1974, após um período tentando se firmar como músico na Inglaterra, um frustrado Neil Peart voltou ao Canadá para trabalhar na loja de tratores do pai. Não muito longe dali, a então iniciante banda Rush havia perdido o seu baterista e chamou-o para um teste. O resto é história.
Peart não apenas assumiu as baquetas, como tornou-se a figura central da banda, o que não é muito comum em bandas de rock. Dele vinham as letras, o conceito dos álbuns e potência sonora do grupo, que seus colegas Geddy Lee (baixo/vocal) e Alex Lifeson (guitarra) complementavam soberbamente.
Esse tipo de dinâmica só foi possível porque Peart era um cara com diversos e profundos interesses na vida. Literatura, história, filosofia, astronomia eram temas que dominava e o músico passava quase todo o seu tempo livre na estrada lendo, o que o levou a começar a escrever material literário.
As intermináveis turnês e a necessidade de manter-se em forma trouxeram-lhe o ciclismo, fonte de inspiração para o seu primeiro livro, “O Ciclista Mascarado” em que detalha uma viagem de bicicleta com outros cinco colegas por Camarões em 1988.
Em seus livros, Peart explica que sua paixão pelo ciclismo evoluiu para o motociclismo no início dos anos 1990, quando viajar mais rápido tornou-se uma necessidade. Era frequente que tomasse um caminho diferenciado dos colegas para os shows, pois ia de moto sempre que possível.
Em 10 de agosto de 1997, sua filha Selena morreu em um acidente de carro quando tinha apenas 19 anos. Como se não bastasse, sua esposa Jacqueline Taylor sucumbiu a um câncer apenas 10 meses depois. Completamente sem chão, Peart subiu sua moto e viajou sem rumo pela América do Norte e Central, cobrindo aproximadamente 88.000 quilômetros.
Quando retornou, Peart escreveu um livro sobre a sua jornada chamado “Ghost Rider – A Estrada da Cura”. Além contar parte de suas aventuras, a publicação também inclui uma variedade de temas relevantes e alguma filosofia visando ajudar aqueles que se encontram perdidos em suas vidas.
A viagem fez tão bem que quando retornou Peart era um novo homem. Casou novamente em 2000 e voltou ao trabalho com o Rush no ano seguinte, quando gravou a música “Ghost Rider”, outra referência a sua jornada reveladora. “Quando estou andando de moto, fico feliz por estar vivo. Quando paro de andar de moto, fico feliz por estar vivo“, disse na época. Uma frase com uma profundidade significativa.
Para poupá-lo do estresse das turnês, os colegas do Rush dispensaram-no de todas as obrigações sociais dali em diante, dando-lhe mais tempo para andar de moto. Foi o que fez durante os shows de 30 anos da banda, em 2004. O resultado foi outro livro, “Roadshow: Landscape with Drums: A Concert Tour by Motorcycle”.
Com nada menos do que 406 páginas, a obra detalha os 57 shows que eles fizeram em nove países diferentes. Peart percorreu 19 deles, 34.000 quilômetros sobre uma motocicleta. Depois considerou a turnê como “a maior jornada de todas na minha existência inquieta”.
Por volta de 2010, durante a turnê “Time Machine Tour”, que passou pela América do Sul, Peart veio com sua moto onde desbravou o continente sul-americano inclusive o Brasil. Na ocasião, chamou-lhe a atenção a quantidade de pedágios das estradas brasileiras: “são muito numerosos“, observou.
Na última década, contudo, o Rush precisou encerrar as suas atividades devido aos crescentes problemas físicos de Peart. Aos 60 anos, o baterista passou a sofrer com tendinite crônica e terríveis dores lombares, o que dificultava até sua rotina diária. Ainda assim, relatos de amigos próximos confirmam que o músico ainda andava de moto sempre que podia.
Você pode estar se perguntando quais eram suas motos. Peart não era muito explícito sobre isso. Embora tenha tido outras, sua inegável paixão eram as BMW. Sua viagem em Ghost Rider foi feita com uma R1100GS vermelha, depois substituída por uma R1200GS (acima).
Em sua última entrevista, Peart comentou: “Quando estou em turnê e viajando entre cidades, tenho meia dúzia de encontros agradáveis com as pessoas. Passei muito tempo em paradas de caminhões, lanchonetes e cafés, lugares muito descontraídos e de baixa qualidade, e esses são os encontros que tenho: de estranho em estranho, podemos dizer. Adoro o anonimato das minhas viagens.”
Tímido, Peart também disse que gostava de viajar sozinho na maior parte do tempo, além de preferir caminhos alternativos: “Nos Estados Unidos, costumo andar sozinho, mas na Europa tenho um parceiro que passa meses na estrada comigo. E é um esforço imensamente planejado para ver tudo o que podemos“, revelou. “Evito autoestradas sempre que possível. As estradas que eu quero são as que as pessoas não percorrem, a menos que morem nelas“.
A aposentadoria oficial como baterista aconteceu em 2015, mas Peart manteve longe do conhecimento público uma doença muito mais grave, um câncer cerebral agressivo que o levou em 7 de janeiro de 2020. Perdemos não apenas um extraordinário músico, fonte de inspiração de 10 entre 10 bateristas, mas também um motociclista, um humanista que realmente soube aproveitar a vida.