De patinho feito alguns anos atrás para se tornar a única fabricante a conseguir desafiar o domínio da Ducati, entenda o que a Aprilia fez para se tornar uma moto competitiva na MotoGP.
Para aqueles familiarizados com a MotoGP e com o motociclismo em geral, a Aprilia é uma velha conhecida. Embora inexplicavelmente não tenha presença no Brasil, a marca de Noale, que pertence ao Grupo Piaggio, é sinônimo de moto esportiva. E das boas.
Mesmo no Mundial de Motociclismo, a Aprilia não é uma novata. Seu aparecimento nas pistas aconteceu em 1987 e as primeiras vitórias não demoraram a surgir. Depois de dominar nas 125cc e 250cc, os italianos ingressaram na classe principal e a gente conta melhor essa história aqui.
Mas a trajetória atual da Aprilia tem início em 2014. Depois do primeiro fracasso na MotoGP, os italianos se voltaram para o “mais fácil” Mundial de Superbike. A redenção veio com Max Biaggi, campeão em 2010 e 2012 e com Sylvain Guintoli em 2014.
Após essa temporada, a diretoria da empresa achou que era hora de acertar as contas com a MotoGP. O momento era bom. O mundo havia se recuperado financeiramente da crise de 2008 e a Dorna incentivava a entrada de novos fabricantes com um novo conjunto de regras favoráveis.
Eles desenvolveram uma nova motocicleta, a RS-GP, que trazia como conceito, um motor de quatro cilindros em V inclinados a 75º, como era a RSV4, de produção. Para ganhar know how, eles estabeleceram uma associação com Fausto Gresini criando, assim, a “Aprilia Racing Gresini”.
Os pilotos eram Alvaro Bautista, da Gresini, e Marco Melandri, experiente piloto italiano com diversas passagens pela MotoGP. Naquele momento, ele vinha com a Aprilia do WorldSBK, com a mesma motivação de um funcionário do INSS a beira da aposentadoria.
Animada, a Aprilia decidiu antecipar o retorno à MotoGP de 2016 para 2015. Mas os resultados foram desastrosos. A RS-GP ainda não estava pronta e Bautista e Melandri se arrastaram nas pistas o ano todo. O italiano, inclusive, jogou a toalha na metade da temporada.
Em 2016, a Aprilia contratou os serviços do então promissor Stefan Bradl para correr ao lado de Bautista. Mas outro ano difícil se seguiu, com três sétimos lugares como melhores resultados. Enquanto isso, a Suzuki, que voltara na mesma época, vencia sua primeira corrida, com Maverick Viñales.
O primeiro turning point para a Aprilia veio em 2017 com a contratação de Aleix Espargaró. O espanhol vinha diretamente da aclamada Suzuki. Ao seu lado, eles colocaram Sam Lowes, um dos mais velozes, empolgantes e imprevisíveis pilotos da Moto2.
Todos esperavam que Lowes dominasse facilmente Espargaró e se estabelecesse na Aprilia. Mas o que se viu foi o contrário. O britânico não conseguiu nada e saiu da Categoria Rainha timidamente no final do ano, enquanto o espanhol marcou dois sextos lugares e 62 pontos.
Outro britânico foi contratado para 2018, Scott Redding, vice-campeão na Moto2 em 2013. Espargaró também o dominou facilmente, embora os resultados teimassem em não vir: foram muitas quedas, motores quebrados e reclamações do espanhol, que acabou se tornando o líder da equipe.
Para 2019, mais mudanças foram feitas. A primeira delas foi despachar Redding e trazer a estrela Andrea Iannone, também vindo de duas temporadas infelizes na Suzuki. Além disso, Romano Albesiano cedia seu posto de diretor geral para Massimo Rivola, da Fórmula 1.
A chegada de Rivola e Iannone marca o segundo ponto de virada para a Aprilia. Como vinham de outras áreas, eles rapidamente apontaram os erros da equipe, especialmente o piloto, com passagens pela Ducati e Suzuki: “Aleix se acostumou com a moto e não vê tantos problemas“, disse na época.
Surpreendentemente, Espargaró concordou: “Andrea introduziu muitas novas ideias e trouxe um monte de informações da Suzuki e Ducati. Por exemplo, ele diz que eu piloto praticamente sem controle de tração, porque com ele a aceleração é muito ruim, mas esse não é o caminho certo.”
Eles, portanto, trataram de colocar a Aprilia no caminho certo. Isso significou fazer uma motocicleta nova. A RS-GP de 2020 era totalmente diferente, com o motor V4 em uma angulação de 90º, como a Ducati. Chassi e braço oscilante eram de carbono. A aerodinâmica era trabalhadíssima.
Basicamente a Aprilia percebeu que a Ducati tinha as respostas para vencer na MotoGP atual: um motor fortíssimo, um grande grip aerodinâmico para manter a moto estável em altas velocidades, e também mecânico, conseguido através do holeshot e dispositivos de altura da suspensão.
Além disso, a Aprilia deixou o orgulho de lado. Historicamente, a marca sempre utiliza motores em V com angulação fechada para torná-los mais compactos. Nas RSV4, a inclinação dos cilindros é de 60º. Eles mantinham um ângulo de 72º em seus motores de MotoGP desde 2016.
“Um ângulo de 90º é a solução perfeita, porque oferece a oportunidade de tornar ideal toda a área de admissão“, disse na época o engenheiro Jan Witteveen. “Em 1ª lugar, você pode fazer ótimos dutos de admissão; segundo, você pode obter uma caixa de ar com maior volume e o motor ‘enche’ mais.”
Infelizmente, Iannone nunca chegaria a pilotar a moto, já que teve a sua licença de pilotagem suspensa pela FIM em dezembro de 2019. “Estou orgulhoso de todo o trabalho realizado pela Aprilia e pela fábrica. Quando conversei com Espargaró e [Bradley] Smith, eles me disseram que a motocicleta é muito boa, que melhorou muito, estou feliz pelo trabalho deles“, disse na época.
Iannone seria substituído por Maverick Vinãles, grande amigo de Espargaró e que também tinha contas a acertar, principalmente com sua ex-equipe, Yamaha. Com todos entrosados e motivados, o resultado é o que vimos no último domingo, a primeira dobradinha da marca na MotoGP. Vem mais por aí?