Apesar de Mel Gibson e seu Interceptor V8 serem os astros de Mad Max, quem rouba a cena são as motos. Personalizadas e bandidas, os modelos escolhidos eram o que de melhor havia na indústria motociclística da época.
Lançado em abril de 1979, Mad Max chamou atenção na época pelo clima sombrio e pela violência, que elevava à última potência a temática de um mundo pós apocalíptico onde ninguém está à salvo da selvageria do ser humano, nem mesmo a lei.
O tema é absolutamente verídico e atual. Entretanto, nada disso teria graça se o diretor George Miller não tivesse recheado a tela com os carros e motos mais legais que conseguisse encontrar na Austrália do final dos anos 1970. As motos, em particular, deixaram uma legião de moleques babando até hoje.
Cerca de 20 modelos participaram das filmagens de Mad Max em outubro de 1977. Para a sorte de Miller, metade delas foram cedidas pela Kawasaki Austrália, que acreditou no sucesso do filme e levou para as locações, na estradas vazias no estado australiano de Victoria (com o apoio da Polícia Rodoviária local) praticamente todo o seu catálogo de modelos.
Lançada em 1972 como Kawasaki Z1, o modelo evoluiu para Z900 em 1974 e Z1000 no final de 1976, inaugurando a “linhagem Z” da marca japonesa, que tem uma forte presença na Austrália. Foi a primeira motocicleta da marca a vir com motor quatro cilindros de duplo comando no cabeçote, injeção de combustível e um câmbio de seis marchas.
Nos EUA, a moto era chamada de KZ1000 LTD, onde tinha um caráter mais touring e por isso haviam algumas diferenças em relação à Z fabricada no resto do mundo. Por exemplo, apenas cinco marchas e um maior leque de opcionais, como ter a escolha entre transmissão por corrente ou eixo cardã, veja só.
No filme ainda aparece uma Kawasaki KH250, modelo 1976. Lançada como S1 em 1972, a moto fazia parte da família chamada de “Kawasaki Triples”, uma série com motores tricilíndricos de dois tempos, entre 250 e 750 cm³. Série que, por sinal, entrou para a história como a primeira moto de produção à vir com o sistema de ignição eletrônica (CDI) que dispensava o platinado.
A gangue que volta para vingar a morte de Night Rider com a liderança de Toecutter conta também com algumas Honda CB750, uma moto que dispensa apresentações. Ainda é possível conferir uma curiosa chopper que, além de contar com um sidecar futurista, é equipada com o motor da Honda. Extremamente exótico, para dizer o mínimo.
Nem todas as motos de Mad Max são malvadas. Uma em especial entrou para a história: a Kawasaki Z1000 1977 do policial amigo de Max, Jim Goose, interpretado pelo ator Steve Bisley. Idêntica à Z1000 de Toecutter, ela se diferencia apenas na customização, com uma pintura prateada ‘MFP’ e rodas de liga Lester, porque a equipe de produção só podia pagar por apenas um jogo delas.
Como eram muitas motos iguais, todas foram modificadas por uma empresa de customização de Melbourne chamada La Parisienne, ganhando um aspecto ‘surrado’ e personalidade própria. Elas foram quase todas pilotadas pelos membros de um moto clube local chamado The Vigilanties, exceto pelo ator Hugh Keays-Byrne, o Toecutter, que era um motociclista experiente na época.
O grupo The Vigilanties também não era o único. Quando a gangue de Toecutter precisou ser reforçada com motocicletas e pilotos extras, o Victorian Four Owners Club veio para ajudar, assim como o Barbarians Motorcycle Club. Isso fez com que poucos dublês profissionais fossem necessários. “A pilotagem deles foi individual e coletivamente excelente“, disse o ator Tim Burns.
Até o final das filmagens, 14 veículos tinham sido destruídos nas cenas de perseguição e colisão, incluindo o carro pessoal do diretor (a pequena van Mazda Bongo azul, que rodopia fora de controle depois de ser atingida na perseguição de abertura do filme). Todos os acidentes tiveram de ser feitos praticamente no mesmo dia.
Em uma outra época bem mais livre e amadora, não pode-se dizer que todos os acidentes tenham sido exatamente controlados. A foto abaixo, do diretor de fotografia David Eggby ficou famosa: “Eu não conseguia operar a câmera de capacete”, explicou mais tarde. “Terry Gibson, que era o líder do The Vigilanties, atuou como Goose, eles colocaram um cinto de segurança em nós dois e fomos em frente. Você pode ver que o velocímetro atinge 180 km/h.“
Às vezes alguém se feria e recebia o atendimento do próprio George Miller, que também é médico plantonista. Dizem que sua inspiração para a história veio, em parte, da crise do petróleo da época, e de sua experiência pessoal com feridos em motocicletas. E por falar nelas, sete sobreviveram, mas o seu paradeiro é desconhecido. Elas voltaram ao seu estado original após as filmagens.
A empresa La Parisienne também acabou fechando alguns anos depois do lançamento do filme. Entretanto, os moldes utilizados ainda estão por aí e réplicas ainda são feitas por uma empresa japonesa chamada “Whitehouse Japan” desde o início dos anos 2000. Eles teriam, inclusive, os desenhos originais.
Com um orçamento de apenas 350 mil dólares australianos, Miller quase não lançou o filme. “Ficamos sem dinheiro para a edição e pós-produção”, lembra. Felizmente arrecadou mais de US$ 100 milhões e foi, por cerca de 20 anos, o filme de baixo orçamento mais lucrativo da história, com direito a registro no Guinness, o livro dos recordes.
Mad Max virou um clássico e gerou três sequências: Mad Max 2: A Caçada Continua (1981), Mad Max 3: Além da Cúpula do Trovão (1985) e Mad Max: A Estrada da Fúria (2015). Mas o improviso do primeiro criou uma atmosfera mais autêntica: “Não queria parecer aqueles cowboys dos faroestes que nunca carregam o suficiente para acampar onde paravam. Eu tinha o suficiente, malas e aquele machado enorme“, lembra Hugh Keays-Byrne, que ia de moto até as filmagens.