O alto nível exigido no motociclismo mundial faz com que os campeões, muitas vezes, se achem imbatíveis…até que aparece outro que pense da mesma forma. Esse terreno fértil já rendeu rivalidades históricas e você conhece algumas delas aqui.
Diferenças de personalidade existem em qualquer nível e no esporte a motor não é diferente. Em um ambiente tão competitivo é até esperado que desavenças aconteçam, já que o foco dos pilotos é apenas um: a vitória e o sucesso. Tudo que fica no meio do caminho é encarado como uma ameaça.
Ao longo da história, vários casos de rivalidade foram registrados em maior ou menor nível. Não pudemos compilar todos evidentemente, mas aqui estão os principais deles. Se você notar, todos tem algo em comum: um título mundial. Esse pequeno detalhe revela a ambição que é necessária para se tornar o melhor de sua categoria.
10 – Mike Hailwood x Giacomo Agostini
Duas lendas absolutas, Mike Hailwood e Giacomo Agostini possuem uma origem semelhante: ambos vieram de famílias abastadas e tiveram condições de se dedicar ao esporte desde cedo. Mas enquanto o inglês, filho de um pródigo vendedor de motos era incentivado a seguir carreira, o italiano descendente de um rico industrialista precisou batalhar mais para mostrar o que sabia fazer.
Sua grande chance veio em 1965, quando conseguiu ingressar na MV Agusta, onde Hailwood reinava absoluto. Agostini logo mostrou a que veio, terminando seis corridas em segundo lugar, logo atrás do britânico. O titulo ficou mais uma vez com ‘Mike The Bike’, que deixou a equipe acusando-os de dar preferência ao jovem italiano.
Hailwood se refugiou na Honda, que estava fazendo um grande investimento em corridas. Pilotando a indomável RC181, o britânico travou duelos épicos com Agostini, agora na posição de líder da MV Agusta, mas não teve jeito: o italiano emplacou sete títulos consecutivos na classe principal. Mike, no entanto, conseguiu vencê-lo duas vezes nas 350cc.
9 – Phil Read x Bill Ivy
Em 1968, Phil Read já era uma força do motociclismo, tendo vencido para a Yamaha o título das 250cc em 1964 e 1965. Nos dois anos seguintes, com uma problemática moto de 4 cilindros, o britânico perdeu a coroa para o conterrâneo Mike Hailwood, da rival Honda.
Bill Ivy, por outro lado era um jovem promissor que havia ganhado a chance de competir pela Yamaha no lugar do lesionado Mike Duff. Após vencer suas primeiras corridas em 1966, o britânico dominou completamente a classe 125cc em 1967 vencendo oito das doze corridas, superando justamente Read.
O domínio fez com que a Yamaha precisasse administrar a situação para 1968, promovendo um “acordo de cavalheiros” entre os dois pilotos. Enquanto Read ficaria livre para vencer novamente nas 125cc, Ivy tentaria fazer o mesmo nas 250cc, sem que um interferisse no outro.
Acordo firmado, Read logo garantiu o título das 125cc. O britânico, no entanto, decidiu que também queria o das 250cc, desobedecendo as ordens e mandando o acordo para o espaço. Os dois acabariam o campeonato absolutamente empatados nos pontos, e o desempate foi feito nos tempos totais da corrida, o que deu o título à Read.
Ivy ficou tão decepcionado que anunciou sua aposentadoria do motociclismo. Depois de uma curta passagem pela Fórmula 2, acabaria voltando às duas rodas onde faleceu em um acidente em 1969. A Yamaha ficou tão furiosa que demitiu Read. O britânico nunca mais pilotaria pela marca oficialmente.
8 – Barry Sheene x Kenny Roberts
O primeiro piloto a superar Giacomo Agostini foi Barry Sheene. O carismático britânico superou o italiano pela primeira vez em 1975 e não teve dificuldades em conquistar o título nos dois anos seguintes, 1976 e 1977. As 500cc tinham um novo rei!
Mas em 1978 chegou ao campeonato um sujeito estranho chamado Kenny Roberts. De poucas palavras e cara amarrada, o californiano era a total antítese de Sheene. Roberts foi campeão em seu ano de estreia e também nos dois seguintes, o que fez Sheene perder a paciência.
Um exemplo aconteceu no GP da Inglaterra de 1979. Após ultrapassar Roberts na reta dos boxes, Sheene levantou o dedo do meio para o rival em plena curva Copse evidenciando como estava o clima entre os dois. A vitória, no entanto ficaria com o piloto da Yamaha por apenas 30 milésimos.
Para botar ainda mais lenha na fogueira, Sheene resolveu mudar-se para a equipe de Roberts em 1981. Embora formassem um Dream Team, a troca de farpas era constante: “eu só me levanto da cama de manhã para superá-lo”, disse certa vez o norte-americano. “Ele não consegue desenvolver nem uma gripe”, respondia o britânico quando perguntado sobre o talento do rival como desenvolvedor.
Após a aposentadoria de ambos, a rivalidade naturalmente arrefeceu. Roberts, ainda continua sendo um sujeito pragmático e de poucas palavras, mas lamentou muito a morte prematura de Sheene, vítima de um câncer em 2003.
7 – Eddie Lawson x Wayne Gardner
O pioneirismo de Roberts deixou vários frutos e um dos melhores era Eddie Lawson. Igualmente californiano e de temperamento arredio, ‘Stedie Eddie’ foi campeão pela Yamaha em 1984 e 1986. Um tri consecutivo só não aconteceu porque a Honda contava com os serviços de outro norte-americano, Freedie Spencer, campeão nas 250cc e 500cc em 1985.
Mas Spencer logo perdeu o ímpeto pela vitória e, para sucedê-lo, a Honda apostava suas fichas em um australiano rude chamado Wayne Gardner. Com um estilo de pilotagem bruto e corajoso, o piloto logo mostrou a que veio, vencendo a primeira etapa de 1986, em Jarama, na Espanha.
Em 1987, a Honda fez uma moto muito competitiva e Gardner garantiu o título com certa facilidade, o que fez Lawson destilar muito veneno pela imprensa. Incapaz de segurar o australiano nas retas, o californiano dizia que a moto do rival era tão mais potente que só restava-lhe deixá-lo passar.
Para provar que era superior, Lawson juntou-se à Honda em 1989. O quarto título veio, mas Gardner fraturou uma perna e a aguardada batalha acabou não acontecendo. No total, Lawson e Gardner ocuparam os dois primeiros lugares das corridas 20 vezes.
6 – Wayne Rainey x Kevin Schwantz
A rivalidade entre esses dois começou muito antes de ficarem conhecidos nas 500cc. Ambos norte-americanos, Schwantz e Rainey eram completamente antagonistas na personalidade e pilotagem: O californiano da Yamaha era discreto e preciso. O texano da Suzuki, extrovertido e exuberante.
Essa divergência entrou em choque já nas corridas de dirty track norte-americanas, continuou quando subiram juntos para as corridas transatlânticas internacionais e se tornou de conhecimento público quando se encontraram na pista de Suzuka durante o Grande Prêmio do Japão de 1988.
Rainey deu mais sorte na carreira. Com sua Yamaha YZR500, ele venceu três títulos incontestáveis, 1990, 1991 e 1992. Já Schwantz tinha na Suzuki, uma moto bem inferior com um orçamento muito mais modesto. Vencê-lo era uma obsessão para o texano.
Isso aconteceu várias vezes, como no GP da da Alemanha de 1991, quando Schwantz realizou uma magistral ultrapassagem sobre Rainey na última volta. E novamente na etapa seguinte na Holanda, quando o piloto da Yamaha errou sob pressão do rival. O seu título viria em 1993.
5 – Scott Russel x Carl Fogarty
Norte-americano da Georgia, Scott Russell chegou ao título do Mundial de Superbike em 1993, o primeiro da Kawasaki. Mas nessa mesma temporada Carl Fogarty fazia a sua estreia pela Ducati e os dois entraram em conflito quase que imediatamente.
Talentoso e desbocado, Fogarty contou mais sobre aqueles tempos em sua autobiografia: “Eu achei Russell arrogante e bobo. Mas eu provavelmente precisava odiá-lo porque ele queria ganhar tanto quanto eu. A rivalidade intensificou minha agressão e me fez um piloto melhor e mais focado.”
Russell não ficava atrás e revidava à altura, se recusando a apertar a mão do rival ou até mesmo a reconhecer Fogarty no pódio. Sinais nada amistosos entre os dois era algo bastante recorrente também. O britânico chegou ao ponto de batizar o seu porco vietnamita (!!) com o nome do desafeto.
Em 1994, Fogarty derrotou Russell, que imediatamente decidiu pela aposentadoria. Outros três títulos viriam ao longo da década fazendo do britânico um ídolo. Anos mais tarde, ele faria um pedido de desculpas à Russell pelas redes sociais admitindo ter exagerado na dose algumas vezes.
4 – Ben Spies x Matt Mladin
Como você já deve ter notado, ter o posto de astro ameaçado por um jovem desafiante pode ser difícil. Esse também foi o caso do australiano Matt Mladin, que depois de vencer o campeonato norte-americano (AMA Superbike) seis vezes, subitamente se viu ameaçado por Ben Spies.
Nascido nos subúrbios de Sidney, Mldadin começou seu reinado em 1999 sendo interrompido apenas em 2003 por um cometa chamado Nicky Hayden. Mais três títulos e recordes vieram até 2005 quando Spies foi anunciado como seu companheiro de equipe na Yoshimura Suzuki para 2006.
Nascido em Memphis, Ben Spies teve uma ascensão meteórica e deixou o companheiro de equipe no chinelo em 2006, com 10 vitórias, 17 pódios e o título norte-americano em seu ano de estreia. Frustrado e humilhado, Mladin recorreu à guerra psicológica para tentar recuperar a vantagem.
Comentários para lá de maldosos como “Ele ainda tem sua mãe por perto limpando sua bunda” só serviram para fazer Spies andar ainda mais forte. A temporada 2007 foi a mais acirrada entre os rivais, decidida por apenas um ponto. Outro título veio em 2008.
Em 2009, Mladin voltou a ser campeão, mas havia um motivo muito simples para isso: a essa altura, Spies já estava na Europa para disputar o WorldSBK. Avesso à polêmicas, o norte-americano disse elegantemente que chegar ao título mundial foi fácil, porque não tinha Mladin em seu caminho.
3 – Mike Doohan x Alex Crivillé
Natural de Brisbane, Doohan fazia jus à escola australiana de pilotos de moto: áspero, rude, talentoso e corajoso além dos limites imagináveis, tanto que superou uma dolorosa e improvável fratura na perna direita para voltar e ser campeão mundial… cinco vezes seguidas!
Oriundo de Barcelona, Crivillé foi campeão nas 125cc em 1989 e sua primeira vitória nas 500cc foi justamente o GP da Holanda de 1992, aquele em que o australiano quebrou a perna nos treinos. Após a retirada de Gardner, o catalão foi o escolhido para ser seu companheiro de equipe em 1994.
Enquanto Doohan fazia performances avassaladoras, Crivillé começou de forma mais discreta, aprendendo todos os truques de seu colega para botar tudo em prática na temporada de 1996, a mais competitiva entre eles.
No GP da Espanha, Crivillé liderou toda a corrida apenas para Doohan surpreendê-lo com uma ultrapassagem na última curva da última volta, levando-o ao chão. Na Austrália, o espanhol tentou dar o troco, levando uma fechada que colocou os dois para fora da pista.
Doohan conseguiu neutralizar as ameaças de Crivillé até o início de 1999, quando mais uma vez quebrou a perna e decidiu pela aposentadoria. O espanhol ficou livre para se tornar o primeiro de seu país a vencer na classe rainha do motociclismo.
2 – Valentino Rossi x Jorge Lorenzo
De espírito livre e tranquilo, Rossi teve o seu talento estimulado desde criança pelo pai, o também piloto Graziano. Embora tenha progredido com firmeza nas categorias de base, o italiano não parecia ser o cara a destroçar todos os recordes, conforme você vai ler logo abaixo. Ele era o homem certo para o momento certo, simples assim.
Jorge Lorenzo, por outro lado, é de outra era. Uma era estimulada pelos feitos de Rossi. O espanhol emplacou um bicampeonato consecutivo nas 250cc entre 2006 e 2007, o que o colocou em evidência com a Yamaha, que procurava um substituto para sua estrela, naquele momento cada vez mais interessada em correr na Fórmula 1, pela Ferrari.
Assim como as outras rivalidades que você leu aqui, Lorenzo se impôs desde o início assumindo o papel de um “Anti-Rossi”, digamos. Rossi, no entanto, comprou a briga, com direito a colocar tapumes nos boxes da Yamaha para que o rival não visse o trabalho de seus homens. O espanhol venceu algumas batalhas, mas foi o italiano quem ganhou o título de 2008 e 2009.
De lá para cá, Lorenzo foi tricampeão pela Yamaha enquanto Rossi tentou a sorte na Ducati. Voltou em 2013 e quase conseguiu o décimo título em 2015, em uma das decisões mais polêmicas da história que envolveu não apenas os dois rivais, mas também um novo nome: Marc Márquez. Uma rivalidade que merece um capítulo exclusivo…
1 – Valentino Rossi x Max Biaggi
As desavenças com Lorenzo foram amargas. As discussões com Casey Stoner, desagradáveis. As atitudes de Márquez lhe tiraram o sono. Mas nenhum rival teve tanto impacto na carreira de Valentino Rossi quanto Maximiliano Biaggi. O motivo? Eles eram contemporâneos, passaram pelas mesmas categorias, fases e equipes. Por isso mesmo se conheciam profundamente.
Chega a ser difícil mensurar o que Biaggi significava para o motociclismo italiano nos anos 1990. O romano emplacou nada menos do que quatro títulos nas 250cc. Era reconhecido como um gênio em formação. Era o queridinho da imprensa e ninguém tinha dúvidas de que um futuro brilhante o aguardava nas 500cc.
Mas em seu caminho estava Valentino Rossi. Embora tenha sido campeão nas 125cc (1997) e nas 250cc (1999), o italiano de Tavullia começou timidamente nas 500cc em 2000. O encontro com Biaggi na categoria principal aconteceu no ano seguinte, onde monopolizaram as atenções, correndo por Honda e Yamaha.
Logo na primeira corrida do ano, no GP do Japão de 2001, Biaggi deu uma fechada violenta em Rossi em plena reta dos boxes do circuito de Suzuka. Contudo, o futuro Doutor não esmoreceu e apontou o dedo do meio para o rival, tal qual Sheene e Roberts em 1979.
Dois meses depois, a dupla chegou às vias de fato antes do pódio no GP da Catalunha. O incidente não foi captado pelas câmeras, mas quando Biaggi foi questionado sobre uma marca em seu rosto, respondeu: “Eu só fui mordido por um mosquito“.
A grande chance de Biaggi aconteceu em 2004, quando passou a competir com a Honda enquanto Rossi dera o passo mais ousado de sua carreira ao mudar-se para a Yamaha. Mas o impossível aconteceu: nove vitórias para o Doutor e apenas uma para Mad Max. No ano seguinte outros 9×0 colocaram uma pá de cal nas discussões sobre quem era o melhor.
Não há dúvidas que o aparecimento de Rossi melou os planos de Biaggi nas 500cc. Sem dúvida, ele teria, pelo menos, um ou dois títulos na categoria rainha. Sua redenção veio apenas sete anos mais tarde com um bicampeonato no Mundial de Superbike. O tempo, no entanto, cicatriza todas as feridas e hoje em dia os dois, pelo menos, têm uma atitude respeitosa um com o outro.