Dono de um talento natural raro, Anthony Gobert foi uma das maiores promessas dos anos 1990. Mas sua carreira foi destruída por mau comportamento e envolvimento com drogas.
Nascido em Sidney, Austrália em 5 de março de 1975, Gobert, assim como muitos pilotos de seu país, começou a sua carreira no motocross. Lá, desde cedo desenvolveu a habilidade de entrar de lado nas curvas, uma característica vista principalmente em australianos e norte-americanos.
Portanto, não demorou muito para que Gobert atingisse o sucesso nos certames regionais, antes de se mudar para corridas no asfalto. De acordo com seus descobridores, o seu talento era tão grande que logo deram um jeito para que entrasse no Mundial de Superbike.
A estreia aconteceu em 1994, através de uma participação curinga no Grande Prêmio da Austrália, quando tinha apenas 19 anos. Para espanto geral, Gobert marcou a pole position, ganhou uma bateria e chegou em terceiro na outra, deixando todos de queixo caído. Na ocasião, se tornou o piloto mais jovem a vencer uma corrida, recorde que permanece sendo seu no WorldSBK.
Foi o que bastou para ser contratado pela Kawasaki em substituição ao campeão mundial de 1993, Scott Russell. Em 1995, Gobert venceu duas corridas e outras três viriam em 1996 ratificando sua condição de piloto de ponta, apesar de ter perdido algumas etapas em decorrência de acidentes.
Gobert também chamava atenção pelo jeitão de rockstar. Era comum que o australiano aparecesse nos circuitos com o cabelo pintado de diversas cores. A sua abordagem descomplicada também horrorizava os engenheiros, se limitando a dizer “sim, ficou bom“ a mudanças no acerto da moto.
Boatos diziam que o australiano tinha urinado no capacete do inglês Neil Hodgson, tido como um grande desafeto. Na época ele negou, mas anos depois confessou que, embora ele não tivesse urinado no casco, segurou-o enquanto outra pessoa fez…
A essa altura, até o pessoal das 500cc estava de olho em Gobert, que foi seduzido para ingressar na Suzuki no lugar de Daryl Beattie em 1997. Seu jeito começou a causar polêmica ainda na pré-temporada, onde se desentendeu com Mike Doohan em uma curva não hesitou em mostrar-lhe o dedo do meio: “É um perdedor“, se atreveu a dizer.
Stuart Shenton, que foi escalado para ser seu engenheiro chefe na Suzuki relembra quando Gobert chegou para conhecê-lo: “ele apareceu lá com alguns amigos dizendo: ‘olá Stuart, eu sou seu novo piloto. Espero que você esteja pronto para mim’, antes de descrever um episódio que deixou a equipe preocupada.
“Fizemos a primeira reunião após os testes preliminares. Ficaram sentados ali, todos os engenheiros japoneses escrevendo o que seriam as primeiras opiniões sobre a motocicleta“, lembrou Shenton. “E ele disse: ‘Bem, eu preciso de duas coisas: uma garota na parte de trás da garagem e um monte de cerveja na geladeira’. E então ele se levantou e saiu. Os seis engenheiros japoneses sentados ao redor da mesa não sabiam o que fazer, o que dizer, ou entender o que acabavam de testemunhar.“
O nível das 500cc era mais alto do que no Mundial de Superbike e a Suzuki já estava longe da competitividade dos tempos de outrora. Gobert, que já havia ficado de fora das quatro primeiras etapas por lesões, sofreu um bocado para acompanhar o pelotão em plena era Doohan. O seu melhor resultado foi uma sétima posição na Áustria.
Depois, ele quase perdeu o GP da Inglaterra por chegar atrasado de um voo abandonando a prova na quinta volta com cãibras na mão. A essa altura, a própria Suzuki já estava cansada acusando-o de falta de compromisso. Na etapa seguinte, na República Checa, a bomba: Gobert fora pego em um teste anti dopping, com resquícios de maconha em seu organismo. Era a primeira vez que isso acontecia nas 500cc.
Falhar em um teste anti dopping com maconha era algo chocante demais mesmo para o pessoal das motos. Afinal, os patrocinadores já os encaravam como atletas e uma associação com drogas era a última coisa que queriam. E foi a gota d’água para a Suzuki. A rescisão do contrato foi imediata.
Gobert não parou de correr, mas todo o prestígio e respeito ruiu como um castelo de cartas, pelo menos a nível mundial. Em 1998, se refugiou no campeonato norte-americano (AMA Superbike) com uma Ducati. Lá voltou a exibir a velha velocidade chegando a ganhar algumas corridas, antes de ser banido outra vez ao ser pego com maconha e álcool em sua casa.
De forma até surpreendente, Gobert ainda conseguiu voltar ao Mundial mas apenas em motos experimentais, como a Muz Weber. O australiano, inclusive, esteve no GP do Brasil de 1999, corrida vencida que deu o título à Alex Crivillé nas 500cc e a Valentino Rossi nas 250cc.
Depois, Gobert só voltaria a competir no Grande Prêmio da Inglaterra de 2000 em Donington Park, com o protótipo Modena KR3 de Kenny Roberts. Essa corrida, que ficou marcada pela primeira vitória de Valentino Rossi na categoria rainha, seria a sua última aparição nas 500cc.
Ainda em 2000, Gobert pilotou também no Campeonato Britânico e Mundial, onde voltou a vencer uma corrida, novamente competindo como Wild Card em Phillip Island, uma pista que dominava. A partir de 2001 migrou definitivamente para os Estados Unidos, onde permaneceu com relativo sucesso até sua vida se complicar de vez em 2006.
Naquele ano, Gobert foi condenado, na Austrália, a 300 horas de serviço comunitário e multado em US$ 600 dólares por dirigir acima dos limites de velocidade com uma habilitação suspensa. Mas o que deixou todo mundo de cabelo pé foram os argumentos da defesa. Eles alegaram que o comportamento errático do piloto se devia a um vício… em heroína!
Temendo pelo futuro do filho nas pistas, sua mãe, Sue Gobert tentou amenizar a situação emitindo declarações para diversos sites de corridas, explicando que o incidente aconteceu meses antes da sentença do juiz e que Gobert estava limpo, após ingressar em uma clínica de reabilitação. Mas não teve muito jeito. Sua carreira estava arruinada.
“Eu acho que Anthony Gobert provavelmente era tão talentoso quanto Marc Márquez, se você falar sobre a habilidade bruta em uma motocicleta de terra ou de estrada“, opina Daryl Beattie. “Mas faltou algo. Não sei se foi algo na sua formação, para dizer da melhor maneira, ou se foram as drogas, que eventualmente chegaram até ele e o arruinaram. Mas havia algo faltando em seu pacote“.
E a história não termina aqui. Em maio de 2008, desempregado, Gobert ainda foi pego roubando duas notas de U$ 20 dólares da mão de um aposentado em um supermercado de Surfers Paradise. Apenas um dia depois, ele foi preso novamente, desta vez sob a acusação de roubar a bolsa de uma mulher.
Novamente sentado diante de um juiz, Gobert perdeu a paciência, repetidamente interrompendo o magistrado e seu próprio advogado durante a audiência, afirmando que era um piloto profissional. Depois, recuou e admitiu que estava desempregado e tentando emprego em um uma lanchonete. O australiano novamente foi liberado sob fiança mas proibido de sair da região de Surfers Paradise.
Desde então, Gobert ficou completamente recluso e as informações sobre ele são poucas. Em 2011, o australiano teria feito uma conta no Twitter, que depois revelou-se falsa. Logo depois, a imprensa britânica afirmou que estava o outrora promissor piloto fazia agora tratamento psiquiátrico na Austrália.
Em junho de 2021, Gobert reapareceu nos noticiários. O agora ex-piloto teria se envolvido em uma briga com um grupo de bêbados em Gold Coast e foi parar na UTI de um hospital local como um completo desconhecido. Apenas quando conseguiu se comunicar que os médicos se deram conta de quem era. Foi necessário o seu irmão entrar em cena para resgatá-lo.
Há poucos dias, um novo vídeo surgiu nas redes sociais com o próprio Gobert, visivelmente envelhecido (apesar de seus meros 48 anos) e com a fala enrolada, relembra a sua carreira. Seu irmão Aaron veio a público informar que o ex-piloto tem uma enfermidade (não revelada) e tem pouco tempo de vida. Confira abaixo.