Conheça os mistérios da temida Síndrome Compartimental, condição física que assombra a maioria dos pilotos profissionais em todo o mundo e que pode resultar em invalidez ou até, em casos extremos, de amputação de partes do corpo.
Pilotar motos é uma atividade que exige muito mais do corpo humano do que em um carro. Na moto, o piloto faz parte da dinâmica da pilotagem e é uma parte integrante da aerodinâmica do conjunto. Por isso, estar bem fisicamente não é apenas uma necessidade. É uma obrigação.
Isso significa, portanto, forçar os músculos do corpo ao extremo, pois o estresse físico é enorme e as quedas… bem, elas fazem parte do ofício. Ou seja, são as condições ideais para o surgimento da Síndrome Compartimental ou “Arm Pump”, em inglês.
A condição consiste no aumento de pressão no interior de uma parte pouco expansiva do corpo prejudicando o fluxo sanguíneo para as estruturas localizadas dentro dessa região. Quando há um inchaço ou sangramento, a fáscia, uma membrana que envolve os tecidos não consegue se expandir com a desenvoltura de antes.
A fáscia são planos de tecido conjuntivo, organizados no corpo humano em camadas. Elas envolvem e separam os ossos, músculos e órgãos, preenchem os espaços e dão unidade à estrutura, ao mesmo tempo em que criam as condições necessárias para que cada segmento do corpo funcione de maneira adequada.
Desta forma, na Síndrome Compartimental, o fluxo sanguíneo para as células musculares e nervosas da fáscia é interrompido, danificando-as. Isso pode resultar em invalidez permanente do local afetado e até, em casos extremos, necrose tecidual necessitando a amputação da região em questão.
É uma condição que geralmente adquirida através de traumas como fraturas; compressão do membro por talas, gesso ou faixas; esmagamento ou isquemia de reperfusão após uma lesão; queimaduras; hemorragias e até infusão de medicação ou punção arterial.
Existem dois tipos de Síndrome Compartimental: aguda, que é tipicamente decorrente de uma grave lesão; e crônica, também chamada de “Síndrome do Compartimento de Esforço”, esta sim decorrente do esforço extremo realizado pelos grandes atletas. Entretanto, esta não é considerada uma condição de emergência.
Talvez o caso mais clássico de Síndrome Compartimental no Campeonato Mundial seja o de Mick Doohan, em 1992. O australiano sofreu um sério tombo nos treinos para o GP da Holanda e sua perna direita foi fraturada em diversos lugares. Após a longa cirurgia, já era possível detectar os sinais, embora os médicos holandeses ainda não tivessem se dado conta.
“Eu tive que pedir para retirar as bandagens minhas pernas, pois tinha começado a sentir cheiro de carne podre“, relembra Doohan. “O médico estava falando com Cláudio Costa e começaram a discutir quando o médico disse que teria que amputar a perna se ela não melhorasse dentro de 24 horas.”
Auxiliado por Cláudio Costa, o médico chefe da categoria na época, Doohan “fugiu” às pressas do hospital para fazer um tratamento longo, além de extremamente dolorido e tortuoso. Foi necessário fazer um inédito enxerto de emergência ligando a perna direita à esquerda, para que o fluxo sanguíneo desta mantivesse a perna fraturada viva.
Dani Pedrosa também teve contínuos problemas de Síndrome Compartimental. O espanhol, no entanto sofria da crônica, em decorrência de duas cirurgias já realizadas na região do ombro direito. Uma delas, inclusive, aconteceu após colidir com o falecido Marco Simoncelli, na França, em 2011.
Entre 2014 e 2015, Pedrosa relatou dormência e falta de sensibilidade, sintomas típicos, justamente no braço mais exigido para um motociclista, pois controla o acelerador e o freio. Contudo, o piloto da Honda manteve sua condição em segredo por muito tempo.
“É a coisa mais debilitante que você pode ter em uma moto“, disse o ex-piloto de MotoGP Michael Laverty. “Você perde a sensação de seu manete de freio dianteiro e acelerador. Você ainda pode controlá-los, mas não com a mesma precisão. Você perde aquele feeling que é necessário para pilotar no mais alto nível“, confessa.
Laverty ainda disse que resolver o problema é como tirar um peso dos ombros: “quando você faz a cirurgia e resolve o problema, é um peso tirado de seus ombros e quando você pode pilotar por 45 minutos sem pensar no braço, isso faz uma enorme diferença” garante.
Pedrosa tentou de todas as formas evitar a cirurgia na fáscia, fazendo uso de fisioterapia e outros tratamentos não convencionais. Como não deu certo, o espanhol precisou se submeter à uma fasciotomia, o nome de como é chamada o procedimento cirúrgico para que o fluxo sanguíneo voltasse ao normal.
O piloto assegurou ser atendido pelo doutor Angel Villamor, um dos melhores especialistas no assunto, na Espanha. Mas o pior de tudo, é que a Síndrome Compartimental não pode ser prevista, podendo aparecer ou não dependendo do biotipo e histórico de cada piloto.