No final dos anos 1990, a disputa para ver quem fazia a motocicleta mais veloz de todos os tempos ficou tão intensa que um acordo de cavalheiros precisou ser feito antes que as coisas ficassem perigosas demais.
No final dos anos 1980, o desenvolvimento tecnológico começou a acelerar para valer no motociclismo. Estimuladas pela competição no Mundial de Superbike (WorldSBK), chassis mais leves, motores mais potentes e suspensões mais elaboradas ficaram disponíveis ao público comum.
Modelos como Yamaha FZR1000, Suzuki GSX-R1100 e Honda CBR1000F já ofereciam potência e ciclística a nível profissional, mas a Kawasaki levou as coisas a um novo nível em 1990 com a chegada da ZZR1100, também conhecida como Ninja ZX-11, uma moto feita só para correr.
Apresentando um motor de 4 cilindros em linha de 1.052 cm³, a ZX-11 foi a primeira motocicleta a conter uma entrada “Ram Air” e desenvolvia 145 cv, suficientes para chegar a mais de 280 km/h. Parece pouco hoje, mas lembre-se que essas motos tinham zero de eletrônica.
A ZX-11 reinou por bastante tempo. Foi a motocicleta de produção mais rápida até 1996, quando surgiu uma nova rainha da velocidade: naquele ano, a Honda apresentou a CBR1100XX Super Blackbird, criada com a única intenção superar a Kawasaki e aproveitar o marketing decorrente disso.
Batizada em homenagem ao Lockheed SR-71 Blackbird (o avião militar a jato mais rápido de todos os tempos), a CBR1100XX tinha um motor de quatro cilindros em linha de 1.137 cm³ que bombeava 164 cv e 12,1 “quilos” de torque a mais de 290 km/h.
Várias revistas de motos fizeram seus próprios testes, e a Super Blackbird foi aproximadamente 6 km/h mais rápida que a venerável ZX-11. Entretanto, a Honda não conseguiu aproveitar os louros disso por muito tempo. A Suzuki já estava desenvolvendo a sua própria visão de como andar rápido.
Em 1999, a Suzuki foi além e jogou a GSX-1300R Hayabusa na cara da Honda. Caso você não saiba, esse é o nome de um falcão peregrino japonês. Os falcões peregrinos não são apenas as aves mais rápidas do planeta, mas o que eles comem? Melros, ou pássaros negros. Sacou?
A primeira Hayabusa tinha um motor de 1.298 cm³ (a maior cilindrada em uma moto esportiva da época), 175 cv, 14 kgf.m de torque e uma carroceria esculpida para cortar o vento. O resultado? 194 mph ou 312 km/h. Agora eu não me importo com o que você pensa. Isso ainda é MUITO rápido.
A Honda não ficou parada. A Super Blackbird recebeu uma grande atualização passando a contar com injeção de combustível, Ram-Air e outros melhoramentos. Mas não foi o suficiente, e a Hayabusa segurou confortavelmente a coroa de moto mais rápida do mundo.
A Kawasaki também não estava impassível. O desenvolvimento do projeto Ninja ZX-12R começou com um único objetivo claro: destronar a Hayabusa. As primeiras conversas e rumores diziam que a moto quebraria a barreira das 200 mph (320 km/h). Impossível ficar mais excitante do que isso.
Com as motos ficando cada vez mais rápidas, temores sobre uma carnificina, em que todos começariam a correr como loucos a 300 km/h pelas ruas, surgiram. Na Europa, pessoas influentes ficaram sabendo do último lote de “máquinas da morte” do oriente e levaram isso a sério.
E aqui é onde o ‘Acordo de Cavalheiros’ começa. Ninguém sabe exatamente o que aconteceu, mas a lenda diz que o pessoal da BMW (que na época ainda nem fazia superbikes) voou até o Japão para conversar um pouco sobre a situação com o big four (Honda, Yamaha, Suzuki e Kawasaki).
Eles não queriam que uma má publicidade atrapalhasse as vendas. Portanto, antes que as motos esportivas começassem a ser proibidas por vários governos, especialmente europeus, os fabricantes decidiram que provavelmente precisavam fazer um auto policiamento no fim de 1999.
O fato é que, quando foi lançada, em 2000, a ZX-12R não passava de 186 mph, ou 299 km/h, limitada eletronicamente. A Hayabusa daquele ano também parava por aí e todas as motos que viriam nos anos posteriores. E assim terminou a grande batalha de velocidade, em um anticlímax.
E não é que foram as europeias que quebraram o acordo?
O acordo nunca foi oficialmente reconhecido, relatado apenas por meio de informantes não identificados. Mas logo ficou evidente que quem queria andar acima de 299 km/h iria fazê-lo de qualquer maneira, com poucos ajustes na moto. Logo, limitar a velocidade ficou inútil, em termos de segurança.
Mas não foi antes de 2007, quando a MV Agusta lançou a F4 R 312, que a primeira fabricante chutou o balde oficialmente. Com seus 184 cv e 11,7 kgf.m de torque, a italiana era capaz de chegar a 312 km/h, praticamente o mesmo que a Hayabusa de 1999 (310 km/h segundo testes de revistas).
A próxima fabricante a quebrar o acordo é irônico, já que foram eles que supostamente o iniciaram. Com sua primeira superbike, a BMW S1000RR atingiu 303 km/h em julho de 2010. A Ducati a seguiu logo depois com sua Panigale 1199R capaz de chegar a impressionantes 325 km/h.
Mas em 2014 a Kawasaki mandou um grande f*da-se para todas e apresentou a Ninja H2R, um monstro sobrealimentado de 300 cv que ultrapassava facilmente os 340 km/h. Apenas para manter as coisas civilizadas, foi disponibilizada uma H2 de rua com velocidade limitada a quanto? 299 km/h.