Além da virada de ano, o último dia de dezembro marca o aniversário de Kenny Roberts, um dos primeiros pilotos a inclinar a motocicleta a ponto de raspar o joelho nas curvas. Conheça a sua influente história aqui.
Nascido em Modesto, mesma cidade do cineasta George Lucas, Kenny Roberts cresceu em uma zona rural onde os cavalos eram sua paixão. As motocicletas entraram na sua vida apenas aos 12 anos, quando foi desafiado por um amigo a andar de motociclo. Aparentemente, a experiência o fascinou.
Sem grana e sem muitas opções longe dos centros urbanos, o jovem Kenny precisou construir sua própria motocicleta, que tinha o motor de um cortador de grama e um quadro de bicicleta. Foi o suficiente para desenvolver o seu talento, que logo foi evidenciado nas corridas de veloterra locais.
Na verdade, o talento de Roberts era fora do comum e rapidamente começou a ganhar todas as corridas que participava. Em 1968, Bud Aksland chefe de uma concessionária Suzuki nas redondezas se ofereceu para patrociná-lo. Começava, assim, a sua carreira profissional.
Aksland tentou levá-lo para a Triumph, que achou Roberts muito pequeno para suas motocicletas. A Yamaha, por outro lado aceitou alegremente e, a partir de 1972, o norte-americano ingressou na competitiva American Motorcycle Association (AMA), onde foi o novato do ano.
Roberts tinha um talento natural em circuitos ovais de terra, onde o equilíbrio e o domínio da derrapagem controlada fazem a diferença. Tanto é que nem freio dianteiro as motos possuem. Nas pistas de asfalto, entretanto, ele não conseguia dominar a moto da mesma maneira.
Ao observar a tocada do finlandês Jarno Saarinen, que deslocava o peso do corpo para dentro da curva, Roberts descobriu que isso ajudava a estabilizar a motocicleta. O norte-americano não só adotou como ampliou o estilo, estendendo o joelho até que roçasse a superfície da pista.
Até então, os pilotos se concentravam em uma forte entrada de curvas, deixando a frenagem para o último momento possível, abrindo um arco na saída com as duas rodas alinhadas. Roberts fez exatamente o oposto, freando cedo para rapidamente dar acelerador e deixar a roda traseira derrapar.
A moto sacolejava bastante, mas Roberts era capaz de adquirir velocidade mais rápido do que seus concorrentes, o que se comprovava nos tempos de volta. Isso o forçou a usar fita adesiva como joelheiras, o que eventualmente levou à introdução de joelheiras feitas sob medida.
Não era comum pilotos norte-americanos correrem na Europa. A Yamaha, no entanto, corria em todas as partes do mundo e Roberts foi convidado a defender as cores da marca nas corridas transatlânticas, em que estadunidenses e britânicos duelavam em equipes.
Roberts aventurou-se pela primeira vez no velho continente em abril de 1974, na prestigiosa corrida de rua Imola 200, onde chegou em segundo atrás apenas de Giacomo Agostini. Em seguida foi o melhor norte-americano do Troféu Transatlântico daquele ano com 93 pontos, cinco mais do que o melhor britânico, Barry Sheene.
Nesse meio tempo, Roberts continuou a correr nos circuitos de terra nos EUA, onde a Harley-Davidson XR750 havia se transformado na força dominante. Quando ficou claro que a Yamaha não iria fazer uma nova moto para o certame, o importador norte-americano da marca decidiu levá-lo ao Campeonato Mundial em 1978.
O plano inicial era competir nas 250cc e na Fórmula 750 em 1978, para ganhar experiência com os circuitos europeus, mas Roberts mudou de ideia quando descobriu que Sheene (então bicampeão consecutivo das 500cc em 1976 e 1977) havia dito que ele “não era uma ameaça”. E lá foi o norte-americano direto para a Categoria Rainha.
Os especialistas consideravam um erro, um passo maior que a perna. Mas Roberts tinha total confiança no seu estilo de pilotagem – e nos pneus especiais fornecidos pela Goodyear. A primeira vitória veio no GP da Áustria e outros seis pódios (quatro consecutivos) bastaram para conseguir o título, o primeiro de um norte-americano e de um rookie.
Daí em diante, Roberts não parou mais de vencer. Outros títulos se seguiram em 1979 e 1980, mas deixando um rastro de polêmicas, principalmente com Sheene – da qual era o extremo oposto – e a Federação Internacional de Motociclismo (FIM) sobre questões envolvendo a segurança.
No GP da Bélgica de 1979, por exemplo, Roberts e Virginio Ferrari se recusaram a correr porque a pista de Spa-Francorchamps, recapeada pouco antes, estava muito escorregadia e eles temiam uma catástrofe. Ambos foram punidos pela FIM. Roberts ficou tão furioso que ameaçou criar uma categoria paralela e levar os outros pilotos.
Mas se você busca uma etapa dessa época para assistir, a batalha de Roberts com Sheene no Grande Prêmio da Inglaterra de 1979 é, sem dúvida, a melhor. Durante as 28 voltas da corrida em Silverstone, os dois se alternam na liderança com direito a gestos obscenos e tudo o mais. O norte-americano venceu por apenas 30 milésimos.
A rivalidade de Roberts com Sheene esquentou de vez em 1981, quando o britânico juntou-se ao norte-americano na equipe oficial da Yamaha. A temporada, no entanto, foi irregular e nenhum deles chegou ao título, que voltou para a Suzuki através do regular Marco Lucchinelli.
Depois de despencar para quarto em 1982, Roberts decidiu que a temporada 1983 seria a sua última. Por isso ele fez um esforço extra, ganhou seis corridas e só não foi campeão pela quarta vez porque o seu primeiro sucessor já tinha aparecido: o sensacional Freddie Spencer, que ficou com o título.
Daí em diante, Roberts correu apenas em eventos selecionados e decidiu montar a sua própria equipe com o apoio da Yamaha. O “Team Roberts”, com Randy Mamola e o patrocínio dos cigarros Lucky Strike formaram uma das combinações mais icônicas dos anos 1980. Mas apesar de brilharem em várias ocasiões, eles nunca chegaram ao título.
A glória de Roberts como chefe de equipe chegou apenas em 1990, com o seu protegido, Wayne Rainey. Com a extinção da equipe Agostini, o Team Roberts herdou o suporte financeiro da Marlboro e o apoio total da Yamaha. Eles conquistaram três títulos seguidos, sequência que só parou quando Rainey ficou paralítico em Misano, 1993.
Em 1997, Roberts surpreendeu ao anunciar a sua saída da Yamaha para abrir sua própria empresa. Ele montou uma nova sede na Inglaterra, estabeleceu uma parceria com a malaia Proton e, com a assistência de engenharia da Tom Walkinshaw Racing, desenvolveu um motor de três cilindros e dois tempos.
Nascia assim a Proton KR3, que conseguiu uma pole position com Jeremy McWilliams no GP da Austrália de 2002. Na era MotoGP, Roberts desenvolveu uma moto de cinco cilindros chamada Proton KR5 que se mostrou muito lenta e problemática. Foi preciso recorrer à motores KTM e depois Honda para correr, dando origem aos modelos KR211V (990cc) e KR212V (800cc).
Mas se sua vida como construtor não estava fácil, a sua herança como piloto seguiu a diante com seu filho, Kenny Roberts Jr. Após uma temporada muito regular, com quatro vitórias, Kenny filho chegou ao título mundial das 500cc em 2000 tornando-se até hoje no único campeão filho de campeão da categoria. Quem ele derrotou? Um tal de Valentino Rossi…
Em 2006, Kenny Júnior juntou-se ao pai na difícil tarefa de desenvolver suas próprias motos. O time tornou-se verdadeiramente familiar quando seu outro filho, Kurtis Roberts juntou-se a eles em algumas corridas. Os resultados foram fracos, mas uma vitória passou raspando no GP de Portugal.
Naquela etapa decisiva, antepenúltima da temporada (que teve o norte-americano Nicky Hayden como campeão) Roberts jr. lutou contra Valentino Rossi e Toni Elias em uma batalha que só foi decidida na linha de chegada. O espanhol venceu o italiano por míseros 0s002, com Kenny júnior logo atrás, a 0s176.
Após a temporada 2007, Roberts desistiu da competição devido à falta de patrocínio. Mas o seu legado já estava consolidado. Assim como fizera Neil Armstrong na Lua, Roberts fincou a bandeira norte-americana em um território desconhecido e deu origem a uma linhagem de pilotos.
Além disso, Roberts mostrou o valor do Dirty Track para a formação das habilidades de pilotagem. Desde então, quase todos vieram ou foram influenciados pelas pistas de terra. Quando você ver os pilotos atuais treinando assim para refinarem suas habilidades já sabe em quem pensar.